O que é disfunção executiva no autismo? Entenda como afeta o cérebro e o comportamento

A disfunção executiva no autismo afeta o planejamento, a organização, o controle emocional e a execução de tarefas no dia a dia. Entenda o que são as funções executivas, como o cérebro autista processa essas ações e quais são os impactos na vida prática.

Muitas pessoas autistas apresentam dificuldades que vão além da interação social e da comunicação. Entre elas, a disfunção executiva no autismo é uma das mais comuns — e menos compreendidas. Esse termo se refere a um conjunto de dificuldades cognitivas que afetam diretamente o planejamento, a organização, o controle de impulsos e a capacidade de iniciar ou finalizar tarefas. Entender esse funcionamento é essencial para oferecer apoio adequado e reduzir o julgamento equivocado de que o autista “não quer fazer” ou “não se esforça o suficiente”.

O que são funções executivas?

As funções executivas são um conjunto de habilidades cognitivas superiores coordenadas principalmente pelo córtex pré-frontal do cérebro. Elas atuam como uma espécie de “gerência central” que regula ações, pensamentos e emoções.

Essas funções incluem:

  • Planejamento e organização

  • Início e finalização de tarefas

  • Memória de trabalho (manter informações enquanto executa uma ação)

  • Flexibilidade cognitiva (adaptar-se a mudanças)

  • Inibição (controle de impulsos)

  • Regulação emocional

Disfunção executiva no autismo: uma característica comum

Pessoas autistas frequentemente apresentam dificuldades significativas nas funções executivas. Essa disfunção pode ocorrer mesmo em indivíduos com inteligência dentro ou acima da média, e afeta tanto crianças quanto adolescentes e adultos.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), embora a disfunção executiva não seja um critério diagnóstico por si só, ela está frequentemente associada ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) e é citada como uma das manifestações secundárias que podem impactar o funcionamento adaptativo do indivíduo.

Como o cérebro autista processa essas funções?

Estudos de neuroimagem apontam que há diferenças na conectividade funcional e na ativação do córtex pré-frontal em pessoas autistas. Além disso, áreas responsáveis pela integração sensorial e autorregulação emocional também apresentam padrões atípicos, o que influencia diretamente a performance executiva.

A pesquisa de Hill (2004), publicada no Journal of Child Psychology and Psychiatry, demonstrou que indivíduos autistas, principalmente crianças e adolescentes, apresentam desempenho inferior em testes de funções executivas em comparação a seus pares neurotípicos.

Principais sinais de disfunção executiva no autismo

A disfunção executiva pode se manifestar de diferentes formas ao longo da vida. Entre os sinais mais comuns estão:

  • Dificuldade para iniciar tarefas simples ou complexas

  • Perder objetos com frequência ou esquecer compromissos

  • Rigidez cognitiva (resistência a mudanças de rotina)

  • Dificuldade para gerenciar o tempo

  • Impulsividade e frustração frequente

  • Problemas para seguir múltiplos passos de uma instrução

  • Demora excessiva para se organizar ou concluir atividades

Impactos da disfunção executiva no cotidiano

Essas dificuldades afetam a autonomia, o desempenho escolar, as relações sociais e o ambiente de trabalho. Por exemplo:

  • Na infância: dificuldade para guardar brinquedos, seguir uma sequência de atividades, lidar com frustrações.

  • Na adolescência: problemas com prazos escolares, organização pessoal e autorregulação emocional.

  • Na vida adulta: desafios para manter uma rotina, gerenciar tarefas domésticas, organizar finanças ou cumprir demandas no trabalho.

A disfunção executiva também pode contribuir para o aumento da ansiedade, da fadiga mental e da ocorrência de crises emocionais, como meltdowns e shutdowns.

Por que não é preguiça, falta de interesse ou desorganização “comum”?

Pessoas autistas com disfunção executiva muitas vezes ouvem frases como “você só precisa se esforçar mais”, “é só se organizar” ou “você é muito distraído”. Porém, essas dificuldades não decorrem de falta de vontade, e sim de diferenças reais no funcionamento cerebral.

Compreender isso é o primeiro passo para promover um ambiente mais acolhedor, estruturado e funcional para pessoas no espectro.

Conclusão

A disfunção executiva no autismo é uma manifestação comum e com grande impacto na vida prática. Ela afeta desde o controle emocional até a organização de tarefas cotidianas, e não deve ser confundida com preguiça ou desleixo. Ao entender como o cérebro autista funciona, é possível oferecer suporte mais eficiente, respeitoso e baseado em evidências.

Referências Bibliográficas

  • American Psychiatric Association. (2014). DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Artmed.

  • Hill, E. L. (2004). Executive dysfunction in autism. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 45(5), 840-849.

  • Kenworthy, L., Yerys, B. E., Anthony, L. G., & Wallace, G. L. (2008). Understanding executive control in autism spectrum disorders in the lab and in the real world. Neuropsychology Review, 18(4), 320-338.

  • Barkley, R. A. (2012). Executive Functions: What They Are, How They Work, and Why They Evolved. Guilford Press.

  • Centro de Referência em Neuropsicologia do Desenvolvimento. Instituto de Psicologia da USP.

  • Attwood, T. (2007). O guia completo sobre a Síndrome de Asperger. Artmed.

  • Pellicano, E. (2012). Do autistic symptoms reflect developmental impairments in the executive function system? Developmental Psychology, 48(1), 1–12.

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