Cannabis medicinal no tratamento da epilepsia: o que diz a ciência?

O uso de cannabis medicinal para epilepsia tem se mostrado eficaz, especialmente em casos resistentes aos tratamentos convencionais. Com respaldo científico e regulamentação crescente no Brasil e no mundo, essa abordagem traz esperança para muitas famílias de autistas com epilepsia. Entenda como funciona, quando é indicada e quais são seus efeitos.

O uso de cannabis medicinal para epilepsia tem ganhado destaque nas últimas décadas, impulsionado por relatos de eficácia no controle de crises, especialmente em casos de epilepsia refratária — aquela que não responde a medicamentos tradicionais. Para muitas famílias de pessoas autistas que também convivem com a epilepsia, essa alternativa representa uma nova chance de estabilidade e qualidade de vida.

Mas afinal, o que a ciência diz sobre o uso de cannabis no tratamento da epilepsia? Quando é indicada? Quais os riscos, benefícios e como é possível acessar esse tratamento de forma legal e segura no Brasil? É isso que vamos abordar neste post.

O que é a cannabis medicinal?

A cannabis medicinal refere-se ao uso terapêutico de compostos extraídos da planta Cannabis sativa, principalmente os canabinoides CBD (canabidiol) e THC (tetrahidrocanabinol). Para o tratamento da epilepsia, o principal interesse é no CBD, uma substância não psicoativa (ou seja, que não altera o estado mental) com potencial anticonvulsivante.

Diversos estudos científicos comprovaram os efeitos do canabidiol na redução da frequência e intensidade de crises epilépticas em pacientes com síndromes específicas, como:

  • Síndrome de Dravet

  • Síndrome de Lennox-Gastaut

  • Epilepsia mioclônica severa da infância

  • Epilepsias refratárias em pessoas com autismo

Quando a cannabis pode ser indicada para epilepsia?

A cannabis medicinal é indicada especialmente em casos de epilepsia refratária, quando o paciente já utilizou dois ou mais anticonvulsivantes sem sucesso. Em geral, o neurologista considera a introdução do canabidiol quando:

  • As crises são frequentes e debilitantes;

  • Há efeitos colaterais importantes dos medicamentos convencionais;

  • A epilepsia prejudica o desenvolvimento neuropsicomotor e a qualidade de vida;

  • O paciente ou familiar expressa interesse por terapias complementares com respaldo científico.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a FDA (agência reguladora dos EUA), o CBD é considerado seguro e eficaz para determinados tipos de epilepsia, desde que seja usado sob prescrição médica e em formulações de qualidade controlada.

Como a cannabis age no cérebro?

O canabidiol (CBD) atua sobre o sistema endocanabinoide, um conjunto de receptores e neurotransmissores presentes no cérebro e no corpo humano que regula funções como sono, humor, dor, inflamação e atividade neuronal.

Em pessoas com epilepsia, o CBD ajuda a modular a excitabilidade neuronal, reduzindo a ocorrência de descargas elétricas anormais que geram as crises. Ele também pode ter efeitos neuroprotetores e anti-inflamatórios, contribuindo para a estabilização do sistema nervoso.

O THC, embora tenha também propriedades anticonvulsivantes, é menos utilizado para epilepsia em crianças ou autistas devido ao seu potencial psicoativo. As formulações voltadas para epilepsia são, em geral, ricas em CBD e com pouco ou nenhum THC.

Como a cannabis pode ser usada no tratamento da epilepsia?

A administração do canabidiol pode ser feita principalmente por via oral, na forma de:

  • Óleo sublingual (mais comum)

  • Cápsulas

  • Soluções orais em gotas

A dosagem é definida pelo médico, levando em conta peso, idade, tipo de epilepsia, outros medicamentos em uso e resposta individual. O tratamento começa geralmente com doses baixas, que são ajustadas ao longo do tempo.

É essencial que o produto seja de origem controlada, com laudos laboratoriais que comprovem sua composição, segurança e ausência de contaminantes.

Quais são os efeitos colaterais?

De forma geral, o canabidiol é bem tolerado. Os efeitos colaterais mais relatados são leves e reversíveis, como:

  • Sonolência

  • Diarreia

  • Aumento do apetite

  • Alterações no sono

  • Irritabilidade (em alguns casos)

É importante destacar que o CBD pode interagir com outros medicamentos, especialmente anticonvulsivantes como o clobazam. Por isso, o acompanhamento com neurologista é indispensável.

O uso de cannabis medicinal é permitido no Brasil?

Sim. Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação de produtos à base de cannabis mediante prescrição médica. Em 2019, a Resolução RDC 327 regulamentou a fabricação, prescrição e venda desses produtos em território nacional.

Hoje, o acesso pode ser feito de três formas:

  1. Importação individual: o paciente solicita autorização da Anvisa com prescrição e laudo médico.

  2. Compra em farmácias autorizadas no Brasil: algumas redes já comercializam medicamentos com registro sanitário.

  3. Justiça: em alguns casos, famílias buscam judicialmente o direito ao fornecimento gratuito pelo SUS ou planos de saúde.

A prescrição deve ser feita por um profissional habilitado, com justificativa clínica documentada.

Cannabis e autismo: uma esperança para famílias com epilepsia associada?

Muitos autistas com epilepsia refratária têm se beneficiado do uso da cannabis medicinal. Embora nem todos respondam da mesma forma, há casos documentados de melhora significativa na frequência e intensidade das crises, além de ganhos secundários em aspectos como sono, comportamento e interação.

Entretanto, é fundamental que o uso seja sempre baseado em evidências científicas, com controle rigoroso da qualidade do produto e supervisão médica contínua.

Conclusão

O uso da cannabis medicinal para epilepsia representa uma alternativa promissora, especialmente para pessoas com TEA que não respondem aos tratamentos convencionais. Com respaldo científico crescente e regulamentação em andamento no Brasil, o canabidiol tem se mostrado uma ferramenta importante no controle das crises e na melhoria da qualidade de vida. O acompanhamento médico, a escolha de produtos seguros e o uso responsável são essenciais para garantir resultados positivos e minimizar riscos.

Referências bibliográficas

  1. World Health Organization. Cannabidiol (CBD) Critical Review Report. WHO Expert Committee on Drug Dependence, 2018.

  2. Devinsky, O., et al. (2017). Trial of cannabidiol for drug-resistant seizures in the Dravet syndrome. New England Journal of Medicine, 376(21), 2011–2020. DOI:10.1056/NEJMoa1611618

  3. Franco, V., et al. (2021). Cannabidiol in the treatment of epilepsy: current evidence and perspectives for further research. Frontiers in Neurology, 12, 583377. DOI:10.3389/fneur.2021.583377

  4. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC nº 327/2019. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa

  5. Epilepsy Foundation. Medical Cannabis and Epilepsy. Atualizado em 2024. Disponível em: https://www.epilepsy.com

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