ARTIGOS

Letícia Mariana

Autista e estudante de jornalismo. Coautora do livro “Guia de autismo” – Wak Editora

Da escola ao mercado de trabalho: ser autista é desejar espaço

O artigo de Letícia Mariana, autista e estudante de jornalismo, reflete sobre os desafios enfrentados por pessoas no espectro desde a escola até o mercado de trabalho. A autora destaca o impacto do bullying, a importância da representatividade e o papel da comunicação como ferramenta de inclusão. Ela defende empatia, acolhimento e o fim do capacitismo para que autistas possam ocupar seu espaço com dignidade.

Estranhos, incapazes e infantis: esses são alguns dos adjetivos utilizados para denominar pessoas dentro do espectro autista. Mesmo com as campanhas de conscientização, vemos, ainda, pouca atividade atípica dentro do mercado de trabalho. Isso pode ser explicado pela dificuldade do ser humano em aceitar as diferenças, mas jamais justificado. O Abril Azul é de extrema importância para que essa realidade mude. Apesar da nomenclatura azul ser frequentemente questionada, não vejo problemas, tendo como argumento a premissa da cor azul servir tanto para meninos quanto para meninas. Desde que o assunto seja debatido com seriedade, dando voz e oportunidades às pessoas com TEA, sendo azul ou colorido, é isso que realmente interessa.

 

Enquanto adulta com autismo, vejo quanto o bullying trouxe barreiras que me atravessam até dentro da universidade. Minha escolha de atuar dentro do jornalismo não foi somente por um desejo de ver mais autistas na área, mas para melhorar minhas questões sociais enquanto me aproximo de um hiperfoco.

 

O hiperfoco é uma característica comum entre atípicos, um sintoma onde a pessoa se concentra com intensidade num assunto específico. É comum que mentes dentro do espectro se sintam isoladas e com dificuldade em manter conversas fora do universo preferido. Escrever sempre foi o meu, detalhe que me manteve longe das rodas de amigos. Em meu capítulo do livro Guia de Autismo: o caminhar com os corações azuis, eu conto sobre a minha trajetória enquanto estudante, fazendo um apanhado de alguns colégios onde pisei. Em um momento, cito como eram algumas de minhas crises causadas pela frustração de não me encaixar. Poucos acreditavam que eu ingressaria em uma universidade como a UFRJ, tampouco numa escola de comunicação. A representatividade de pessoas autistas no jornalismo permanece baixa, mas ainda há esperança. Deixo aqui a minha sugestão aos que não estão no espectro: integração. Não integrar simplesmente por integrar, mas com uma boa dose de empatia.

 

Comunicar autisticamente é pertencer em conjunto e dar espaço aos que antes só pertenciam aos hospitais psiquiátricos. Ser jornalista e comunicador dentro do espectro é uma resposta ao bullying, ao capacitismo e ao preconceito. Afinal, vamos desconstruir a ideia de que o(a) autista não pode exercer bem o uso da sua linguagem. Se essa for a sua vontade, apoie! Incentive, também, os não verbais a estimularem suas potencialidades, uma delas pode ser a escrita. Autismo é uma deficiência invisível, mas não devemos invisibilizar nosso espaço no mundo. Por isso, quando conhecer uma pessoa no espectro, independente do nível de suporte, não julgue. Acolha. Abrace. Enxergue além do senso comum. Veja o autista como gente, protagonista de sua história, assim como todos. Ensine seu filho a respeitar o outro como ser singular, sem rótulos. Pensar comunicação é pensar coletivo, não individual. O bullying é uma forma de individualidade, já a inclusão é o pensar coletivo. Pensar coletivamente é uma arma poderosa contra o capacitismo, ou seja, contra o preconceito. Num mundo onde há exclusão, seja a exceção.

Livro Publicado

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Talvez você curta: