A educação inclusiva vai além da presença física na escola: ela exige processos pedagógicos que respeitem as singularidades humanas e não se baseiem apenas em laudos clínicos. Nesse artigo, Eduardo Garcia propõe uma pedagogia que reconhece as múltiplas identidades e valoriza o aprender em diferentes tempos, formas e contextos.
Você sabia que o conceito de deficiência entra em cena em função de interesses políticos e econômicos? A virada do século XIX para o século XX presenciou alterações significativas em nível de produção industrial e tecnologias. Como exemplos dessas mudanças é possível citar a invenção do telefone em substituição ao telégrafo, da produção em massa em função do modo de operação das máquinas nas fábricas.
É nesse mesmo cenário que o conceito da deficiência entra em circulação na sociedade. A lógica da época, que permanece naturalizada até o século XXI, era simples: era preciso criar uma justificativa moral para que a sociedade fosse dividida em pessoas normais (aqueles que se adequam as normas sociais e compartilham de suas invenções tecnológicas) e os anormais (que se encontram fora das normas por apresentarem diferenças físicas e comportamentais). A deficiência é isso, um déficit que aponta quem está fora da norma.
Contudo, as normas de funcionamento de um organismo, ou as normas estéticas são arbitrárias e coube a medicina definir os parâmetros da normalidade sobre a vida. Para entender melhor, os laudos de deficiências definem o que a pessoa é e os lugares em que podem estar ou circular. Por isso, durante muito tempo existiram escolas especiais, clínicas e sanatórios como locais nos quais surdos, cegos, cadeirantes, pessoas Down, com nanismo, com hidrocefalia, entre tantos outros, poderiam estar.
Como exemplo, é possível visitar as atas do Congresso de Milão em 1880, que definiu a condição das pessoas surdas e instituiu o laudo da surdez como diagnóstico de atrasos cognitivos. Por de trás disso, havia um jogo perverso tanto quanto econômico e político. A invenção do telefone, era algo que beneficiaria os ouvintes, e desse modo, acreditou-se que surdos não acompanhariam a evolução tecnológica; do mesmo modo, ao observar as organizações industriais da época, identificou-se que as mãos eram o principal instrumento para operação das máquinas e, dessa forma, se os surdos fossem autorizados a falar por meio da Língua de Sinais, atrapalhariam a produção fabril. Tudo isso, foi resolvido, pela medicina, do seguinte modo: as pessoas surdas sofrem de surdez e, desse modo, são anormais e, por isso, inválidas e devem ser alijadas do convívio social.
Entretanto, a atualidade pede desconstruções e, sobre isso, é preciso compreender que as diferenças anatômicas e fisiológicas devem ser consideradas singularidades humanas. Também é preciso compreender que não existe necessidades especiais porque todas as necessidades são humanas. Por meio desse olhar, quando se rebaixa um bebedouro para atender uma pessoa cadeirante ou com nanismo, não se trata de necessidade especial, mas de uma necessidade humana porque hidratar-se é uma necessidade humana. O mesmo se aplica a colocação de piso tátil; a mobilidade de forma autônoma é um direito humano. Quando se trata da escola, é significativo ir além e entender que informações clínicas não auxiliam no processo; as formações e o conhecimento precisam ser pedagógicos.
Logo, a educação inclusiva não se trata de incluir a diversidade na escola a partir de emissão de laudos e CID, mas de oferecer educação institucional e processos de escolarização para todas as pessoas. Isso implica em práticas diversificadas e um espaço humanizado e não meritocrático no qual se troca produção intelectual por nota.
A pedagogia inclusiva vê potencialidade nas identidades múltiplas, avalia o produto final numa perspectiva individualizada e acolhe os saberes segundo a evolução de cada um. Não é temporal, é qualitativa. Afinal, todo ser humano aprende, cada qual em seu tempo e, em cada tempo segundo sua singularidade.
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