A parceria entre escola e família é essencial para garantir uma educação de qualidade. Neste artigo, o educador Júlio Furtado destaca a importância de um planejamento estruturado que envolva diálogo, clareza de papéis e corresponsabilidade no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Quando falamos em educação de crianças e adolescentes, é importante salientar as duas instituições de maior importância nesse processo: família e escola. Igualmente importante é salientar a importância da integração entre essas instituições, tarefa complexa de responsabilidade da escola.
A LDB (Lei de diretrizes e bases da educação nacional), afirma em seu artigo segundo que “A educação, dever da família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Esse texto legal comprova o quanto é essencial o trabalho conjunto da escola e da família e, nesse trabalho, o papel de cada uma precisa ficar claro.
A presença da família na escola cria condições para um diálogo fundamental no sentido de alinhar aspectos dos processos educacionais a serem desenvolvidos com as crianças e jovens. Esse alinhamento é necessário para que a escola seja a continuidade e a complementação da educação iniciada pela família.
É preciso compreender o real papel social da escola e da família, enquanto instituições educadoras. Segundo a Constituição Brasileira, a família tem o dever de assegurar a dignidade da pessoa humana, ou melhor, é instrumento de estruturação e desenvolvimento da personalidade de cada um de seus integrantes e garantindo-lhes o direito à vida. A família é uma instituição de caráter particular e individual, ou seja, desenvolve valores e atitudes oriundos de crenças e culturas específicas dentro de um contexto individual ou, no máximo, em pequenos grupos. A escola, por sua vez, é responsável pela promoção do desenvolvimento do cidadão, no sentido pleno da palavra. Cabe-lhe definir as mudanças que julgar necessárias fazer nessa sociedade, através das mãos do cidadão que irá formar. A escola atua dentro de um contexto coletivo, a partir de atividades grupais que facilitem a aprendizagem da vida em grupo.
Em síntese, a família educa no âmbito privado, individual e a escola educa no âmbito púbico, coletivo. É equivocada a ideia tão difundida hoje em dia de que cabe à escola apenas ensinar conteúdos e à família, educar para a aquisição de posturas e atitudes. Tanto escola quanto família educam. Cada uma no seu contexto específico. O foco da família é o ser individual, com suas características particulares no desenvolvimento de seus valores e atitudes. O foco da escola é o ser em processo coletivo no desenvolvimento de suas características de interação, responsabilidade e participação. A criança e o adolescente precisam ter claras essas diferenças. Em casa ele pode escolher o lugar onde sentar ou a hora em que fará as atividades. A escola, por ser um ensaio para a vida em sociedade, determina horários, critérios e procedimentos. Não podemos esquecer, porém, que a educação da família deve possibilitar a educação da escola. Espera-se, minimamente, que a criança chegue à escola em condições de ser educada. A escola possui limitações para desenvolver o seu papel de educadora e precisa contar com a família quando esbarra em situações que extrapolam suas possibilidades. Logo, se escola e família precisam de sintonia para que o “produto” comprado pela família tenha qualidade.
Uma escola que não se preocupa com o alinhamento de percepções com relação às famílias é séria candidata a ter que gerir conflitos frequentes. Essa relação começa no processo de escolha da escola. É nesse momento que as famílias devem avaliar a convergência entre suas expectativas e valores com as expectativas e valores da escola. A escola, por sua vez, deve deixar o mais claro possível sua proposta pedagógica e os valores que a norteiam. É a partir daí que se torna possível a construção de uma parceria que tem a criança ou jovem como principal foco. Fortalecer essa parceria, criando e gerindo uma agenda que facilite o diálogo é responsabilidade da escola.
A principal interferência da família no processo escolar se dá na ação de apoiar as atividades que o aluno leva para casa e, nesse sentido, o seu papel precisa ficar muito claro. O dever de casa é tarefa do aluno, sob orientações da escola, que ele faz em casa. Diante desse contexto, o papel dos pais é proporcionar condições para que o aluno execute a tarefa da melhor forma possível. Cabe ajudar a desenvolver uma rotina, providenciar um local tranquilo, arejado e iluminado e até mesmo supervisionar se a tarefa foi cumprida, pedindo para ver a atividade pronta ao final. Ensinar o dever de casa não faz sentido, além de que não é tarefa dos pais. Caso a criança ou adolescente sinta dificuldade e erre ao fazê-lo, é sinal que não aprendeu como deveria e a escola precisa ficar sabendo disso para tomar uma providência.
A escola hoje precisa incorporar um novo papel: o de chamar a família para o diálogo e estabelecer claramente os limites de ação de cada uma. É papel da escola o desenvolvimento de valores e atitudes que viabilizem o trabalho coletivo. A escola é o “útero da sociedade” e como tal não pode prescindir dessa tarefa. Os professores não podem esperar alunos dóceis e prontos para receber o conteúdo que consta no currículo. Educá-los com relação aos valores e atitudes que viabilizam o convívio em grupo é sim tarefa da escola e por tabela é tarefa dos professores. É na escola que muitas crianças pela primeira vez se deparam com situações coletivas como esperar a vez numa fila ou esperar sua vez para falar. Precisamos assumir com bom senso o compromisso que deve caracterizar o ato de educar para identificar qual é o limite da educação escolar, sob pena da escola “lavar as mãos” diante da mínima dificuldade que surgir ou da família querer ditar as regras do processo educacional escolar. Mais uma vez recaímos na importância da gestão de uma boa relação
Já sabemos que a família não vem cumprindo bem o seu papel. Com relação a essa questão podemos fazer algumas reflexões importantes. Se a escola cruzar os braços diante da inabilidade da família em cumprir o seu papel, podemos fechar todas as escolas e pensar num novo modelo de educação socializadora. Penso que a escola precisa se reinventar nesse sentido. Oferecer espaços de discussão e formação da família é um dos caminhos que tenho visto dar bons resultados. Toda escola precisa ter um ou mais profissionais voltados para a gestão da relação escola-família. Nesse sentido, o orientador educacional, figura rara, hoje, em equipes escolares faz muita falta.
No caso específico de famílias disfuncionais, cabe à escola o encaminhamento ao Conselho Tutelar no sentido de garantir o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A integração família-escola se faz essencial para o processo educacional porque não há unanimidade entre as pessoas (nem mesmo grande maioria) com relação ao que é uma educação de qualidade. Algumas famílias podem achar que rigidez é ingrediente essencial numa educação de qualidade enquanto outras elegem a liberdade de escolha como tal. Surge, nesse momento, a necessidade de a escola esclarecer detalhadamente às famílias sobre esse conceito. Eis a grande especificidade do “produto” educação. Quem compra, muitas vezes não sabe o que significa um produto de qualidade, ao contrário do que acontece com uma geladeira ou com uma peça de picanha. Além disso, muitas vezes o “cliente” precisa ser desagradado para que o processo tenha qualidade (repreensões, castigos, notas baixas, etc.). Coloque tudo isso numa balança e pense sobre a real importância de uma boa parceria escola-família.
Essa gestão é tão importante que merece planejamento específico e envolvimento de toda a escola. Não estamos, aqui, falando apenas de calendário de reunião de pais ou de planejamento de festas que envolvam a família. Essas atividades são fundamentais e devem fazer parte do plano, mas é essencial que escola planeje atividades de assessoramento e reflexão sobre o processo educacional da escola e a forma de educar da família. Promover discussões sobre temas como colocação de limites, ensino de valores, uso da internet, desenvolvimento da autonomia, importância e gestão do dever de casa, etc. é essencial para se criar uma base intercambiável que torne possível uma educação de qualidade. Ao escolher uma escola para os seus filhos, as famílias estão comprando um “título de sócio” de uma instituição que, de forma clara e convicta, precisa apresentar sua proposta. Ao “vender” o “produto” educação, a escola deve estar consciente de sua responsabilidade de gerir competentemente a relação com esse “cliente” chamado família, através de uma parceria bem planejada.