A ecolalia, comum em muitas pessoas autistas, não é exclusiva da infância. Em adultos com nível 1 de suporte, ela pode se manifestar de formas mais sutis, como repetições funcionais, estratégicas ou até sociais. Entender essas nuances é essencial para promover comunicação mais eficaz, reduzir estigmas e fortalecer a autonomia.
A ecolalia é frequentemente associada ao autismo infantil, mas também pode estar presente em autistas adultos — especialmente aqueles diagnosticados tardiamente e classificados com nível 1 de suporte. Nesse contexto, a repetição de palavras, frases ou padrões de fala pode ser mal interpretada como mera “estranheza” ou imaturidade, quando na verdade pode cumprir funções específicas de comunicação, autorregulação ou organização do pensamento.
Reconhecer essa forma de expressão nos adultos autistas é essencial para apoiar sua autonomia e desenvolver estratégias de comunicação mais acolhedoras e eficazes.
O que é ecolalia?
A ecolalia é a repetição de palavras ou frases ouvidas anteriormente. Essa repetição pode ocorrer de forma imediata (logo após ouvir) ou tardia (horas, dias ou até semanas depois).
No caso dos adultos autistas com nível 1, a ecolalia tende a se manifestar de forma mais funcional e discreta, como frases decoradas de filmes, músicas ou interações sociais, usadas estrategicamente para manter uma conversa, expressar emoções ou preencher silêncios.
Ecolalia no adulto autista: como se manifesta?
•Repetição de frases de filmes, séries ou músicas, usadas como forma de expressão emocional ou para iniciar diálogos.
•Uso de expressões fixas ao invés de respostas espontâneas, especialmente em situações sociais desafiadoras.
•Repetições internas (mentais ou murmuradas) como forma de organização do pensamento ou autorregulação.
•Ecolalia com função comunicativa, como pedir ajuda, expressar sentimentos ou dar respostas indiretas.
•Autodirigida — usada para manter foco, acalmar-se ou organizar tarefas mentalmente (ex: repetir instruções enquanto executa uma atividade).
Por que a ecolalia pode continuar na vida adulta?
• Persistência de estratégias eficazes de comunicação, desenvolvidas na infância.
•Necessidade de organização do pensamento verbal, como apoio para processos cognitivos e memória.
•Dificuldades sociais ou linguísticas sutis, que fazem da ecolalia uma ferramenta para se manter em interações.
•Zona de conforto comunicativo, onde a repetição de frases familiares traz segurança em ambientes imprevisíveis.
Quando se preocupar?
A ecolalia não deve ser eliminada, mas observada com atenção. Ela merece cuidado especial se:
•Interfere significativamente na funcionalidade da pessoa;
•Causa prejuízos em interações sociais importantes (trabalho, estudo, vida afetiva);
•Gera sofrimento por parte do autista ou de seus interlocutores.
O que fazer: estratégias práticas
1.Entenda o propósito da repetição: muitas vezes, a frase repetida tem sentido interno, emocional ou contextual. Pergunte ou reflita: “O que ele(a) quis dizer com isso?”
2.Reforce a comunicação funcional: incentive que a pessoa complemente a frase ecolálica com sinais pessoais, gestos ou respostas diretas.
3.Use perguntas abertas: ao invés de “Por que você está dizendo isso?”, experimente “O que você quer me dizer com isso?”.
4.Evite corrigir ou podar: a ecolalia pode ser uma estratégia de conforto. Redirecionar suavemente é mais eficaz do que bloquear.
5.Incentive o uso criativo de frases ecolálicas: valide a fala e ensine como ela pode ser adaptada para a situação.
6.Estimule a escuta ativa: mostre como ouvir e responder de forma contextual pode ajudar na interação.
7.Utilize roteiros sociais e ensaios de conversa: isso ajuda o adulto autista a desenvolver alternativas à ecolalia em situações sociais.
8.Procure apoio fonoaudiológico: mesmo na vida adulta, o trabalho com um(a) fonoaudiólogo(a) pode ser fundamental.
9.Valide a identidade da pessoa: para muitos autistas, a ecolalia faz parte de quem são. O respeito é o primeiro passo para qualquer intervenção.
10.Use tecnologia a favor: aplicativos de treino de fala, vídeos com modelagem social e CAA adaptada podem ser recursos importantes.
Conclusão
A ecolalia em adultos autistas nível 1 de suporte não é um “sintoma a ser eliminado”, mas sim um traço que pode indicar caminhos de comunicação, autorregulação e expressão. Ao compreendermos o porquê dessa repetição e oferecermos suporte adequado, promovemos não apenas melhor comunicação, mas também respeito à singularidade da pessoa autista. Ao invés de rotular, que tal ouvir de verdade?
Referências bibliográficas:
•AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
•PRIZANT, Barry M. Unwritten Rules of Social Relationships.
•GARCIA-WINNER, Michelle. Thinking About You, Thinking About Me.
•SILVA, Andréa Bueno da. Comunicação e Autismo: Estratégias para o desenvolvimento.
•Sites: Autism Speaks, Instituto NeuroSaber, TEA Brasil.