ENTREVISTAS

Vera Caminha

Diretora do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal Fluminense, Coordenadora do projeto de pesquisa e extensão ADACA (Ambiente Digital de Aprendizagem para Crianças Autistas) desenvolvido na UFF campus Aterrado em Volta Redonda. Tem experiência na área de Ciência da Computação com ênfase em Inteligência Artificial, atuando principalmente nos seguintes temas: Aprendizado de Máquina, Neurociência Computacional e Autismo. Autora, com Cristiane Moraes e Viviane Lione, do livro Alfabetização e TEA – Bases neurocientíficas para nortear a aprendizagem de alunos com Transtorno do Espectro Autista

Como a Tecnologia Assistiva e os jogos digitais podem ajudar crianças autistas a aprender e se comunicar?

Neste artigo, a Dra. Vera apresenta o projeto ADACA, que desenvolve jogos digitais como ferramentas de apoio ao desenvolvimento de crianças com autismo. A proposta une tecnologia assistiva, educação e neurociência para ampliar as formas de comunicação, interação e aprendizagem, respeitando as particularidades de cada criança com TEA. O projeto já impacta famílias com resultados positivos e promete crescer ainda mais.

Dra. Vera, para começar: o que é o projeto ADACA e o que motivou a criação dessa iniciativa voltada a crianças autistas?

O Transtorno do Espectro do Autista (TEA) consiste em um distúrbio que engloba comprometimento nas áreas relacionadas à comunicação, à interação e às ações simbólicas. Além disso, compromete o comportamento geral e o desenvolvimento neuropsicológico do indivíduo. Sendo a linguagem, um importante processo que é afetado neste contexto, o projeto de pesquisa e extensão Ambiente Digital de Aprendizagem para Crianças Autistas (ADACA), que está sendo realizado na Universidade Federal Fluminense, Campus Aterrado em Volta Redonda-RJ, desenvolve Tecnologias Assistivas com a finalidade de favorecer a inclusão de pessoas com TEA, através de jogos e atividades digitais para auxiliar na aprendizagem e interação das crianças atendidas no laboratório do projeto. A motivação foi auxiliar no processo de aprendizagem e interação da criança autista através da inclusão digital e social.

O que são exatamente tecnologias assistivas e como elas se aplicam ao universo do autismo?

O termo, Tecnologia Assistiva, foi criado em 2006 e refere-se a um grande número de recursos, serviços e estratégias que ajudam pessoas com deficiência a realizar atividades do dia a dia de forma mais independente. Isso pode incluir desde softwares e aplicativos que facilitam a comunicação, até equipamentos, como cadeiras de rodas, próteses e dispositivos de leitura. O objetivo da Tecnologia Assistiva, é melhorar a qualidade de vida e promover a inclusão, permitindo que indivíduos superem barreiras e participem plenamente da sociedade.

As Tecnologias Assistivas podem ser aplicadas no universo do autismo de diversas maneiras, ajudando a melhorar a comunicação, a aprendizagem e a interação social. Seguem algumas formas de aplicação:

1. Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA): Dispositivos e aplicativos que ajudam na comunicação, como tablets com softwares de CAA, podem ser extremamente úteis para indivíduos que têm dificuldades em se expressar verbalmente.

2. Aplicativos Educacionais: Existem muitos aplicativos projetados para ensinar habilidades sociais, emocionais e acadêmicas, adaptados às necessidades de pessoas com autismo. Esses aplicativos podem tornar o aprendizado mais interativo e envolvente.

3. Sensores e Dispositivos de Monitoramento: Tecnologias que monitoram o comportamento e as emoções podem ajudar os cuidadores a entender melhor as necessidades da pessoa com autismo, permitindo intervenções mais eficazes.

4. Ambientes Virtuais e Realidade Aumentada: Essas tecnologias podem criar simulações que ajudam a praticar interações sociais em um ambiente seguro e controlado, permitindo que os indivíduos desenvolvam suas habilidades sociais.

5. Ferramentas de Organização e Planejamento: Aplicativos que ajudam na organização de tarefas da vida diária e na gestão do tempo podem ser muito benéficos, especialmente para aqueles que têm dificuldades com a rotina e a estrutura.

6. Jogos e Atividades Interativas: Jogos que incentivam a colaboração e a comunicação podem ser uma forma divertida de desenvolver habilidades sociais e emocionais.

Ao implementar essas tecnologias, é importante considerar as necessidades individuais de cada pessoa com autismo, garantindo que as ferramentas escolhidas sejam adequadas e eficazes para seu desenvolvimento.

O projeto ADACA desenvolve jogos digitais voltados para crianças com TEA. Como esses jogos ajudam no processo de aprendizagem?

O projeto ADACA é uma proposta capaz de contribuir para o processo de desenvolvimento da aprendizagem e interação social de crianças com autismo, através de jogos e atividades que são estudados e desenvolvidos especialmente para indivíduos com TEA, em meio a um mundo cada dia mais tecnológico, e que os professores saibam valer-se dos recursos disponíveis para motivar e estimular seus alunos a aprenderem por meio daquilo que vem de fato despertar o interesse nos processos de ensino e aprendizagem. Esperamos que o dispositivo das tecnologias de informação e comunicação, como o projeto ADACA, aliado ao acolhimento e compreensão da história de vida de cada pessoa, são um potente recurso para favorecer e ampliar as possibilidades de contato com a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Esses jogos foram pensados com base em alguma teoria específica da educação ou do desenvolvimento infantil?

Teoria específica da educação.

Quais habilidades (como linguagem, atenção, coordenação) os jogos do ADACA costumam estimular nas crianças?

Comunicação, interação, atenção e habilidades motoras.

Muitas famílias não sabem por onde começar quando o assunto é tecnologia e autismo. Como pais e educadores podem utilizar essas ferramentas de forma prática no dia a dia?

Pais e educadores podem utilizar ferramentas de tecnologia de várias maneiras práticas para apoiar crianças com autismo no dia a dia. Algumas sugestões, por exemplo:

1. Aplicativos Educativos: Existem muitos aplicativos projetados para ajudar no desenvolvimento de habilidades sociais, comunicação e aprendizado. Pais e educadores podem integrar esses aplicativos nas rotinas diárias, tornando o aprendizado mais interativo e divertido.

2. Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA): Ferramentas de CAA, como dispositivos de fala ou aplicativos de comunicação, podem ser extremamente úteis para crianças que têm dificuldades em se expressar verbalmente. Usá-las em casa e na escola pode ajudar a melhorar a comunicação.

3. Rotinas Visuais: Tecnologias que permitem a criação de cronogramas visuais, como quadros digitais ou aplicativos, podem ajudar as crianças a entender melhor suas rotinas diárias, proporcionando uma sensação de segurança e previsibilidade.

4. Jogos Interativos: Jogos que incentivam a interação social e o trabalho em equipe podem ser usados tanto em casa quanto na escola. Eles ajudam a desenvolver habilidades sociais de forma lúdica.

5. Monitoramento de Comportamento: Aplicativos que ajudam a rastrear comportamentos e emoções podem ser úteis para pais e educadores entenderem melhor as necessidades da criança e ajustarem suas abordagens conforme necessário.

6. Treinamento e Recursos Online: Pais e educadores podem acessar cursos online e webinars sobre o uso de tecnologia no apoio a crianças com autismo, aprendendo novas estratégias e ferramentas que podem ser aplicadas no dia a dia.

Integrar essas ferramentas de forma consistente e adaptada às necessidades individuais da criança pode fazer uma grande diferença no seu desenvolvimento e bem-estar.

Crianças não verbais ou com dificuldades motoras também podem se beneficiar dos recursos desenvolvidos pelo projeto?

Sim. Porque acreditamos que a comunicação alternativa amplia as possibilidades de interação, não somente a comunicação verbal.

Existe alguma faixa etária ideal para começar a introduzir esses jogos ou atividades digitais?

Sim. Muitos especialistas recomendam que a introdução a jogos e atividades digitais comece de forma moderada por volta dos 2 a 3 anos, com supervisão e orientação dos pais ou responsáveis.

O ADACA já foi testado em escolas ou com famílias? Que tipo de retorno vocês têm recebido das crianças e educadores que utilizam a plataforma?

Em escolas ainda não foi testado, estamos fazendo o planeamento para que isso ocorra. Com famílias sim. Temos recebido um retorno bastante positivo das crianças e responsáveis. Muitos responsáveis relatam que as crianças pedem para irem para o ADACA mesmo em dias em que não serão atendidas.

Quais são os planos futuros do projeto? Ele será disponibilizado de forma aberta ao público?

Para projetos futuros estamos planejando levar o projeto para as escolas da região sul fluminense e para o SESC-Rio. Em seguida, pretendemos levar para qualquer região que tenha interesse em implantar o projeto na escola. Pretendemos no futura disponibilizar os jogos e atividades de forma aberta ao público em geral.

Que conselhos você daria para pais e professores que querem usar a tecnologia como aliada no processo de aprendizagem, mas têm medo de “exagerar nas telas”?

É compreensível ter preocupações sobre o uso excessivo de telas, mas a tecnologia pode ser uma grande aliada na aprendizagem quando usada de forma equilibrada. Aqui estão alguns conselhos:

1. Estabeleça Limites: Defina um tempo específico para o uso de dispositivos, garantindo que as crianças tenham tempo suficiente para atividades offline, como leitura, jogos ao ar livre e interações sociais.

2. Escolha Conteúdos de Qualidade: Opte por aplicativos e plataformas educacionais que promovam o aprendizado ativo e crítico, em vez de apenas entretenimento passivo.

3. Incorpore a Tecnologia de Forma Interativa: Use ferramentas que incentivem a colaboração e a participação, como projetos em grupo online ou plataformas de discussão.

4. Monitore e Participe: Esteja presente durante o uso da tecnologia. Isso não só ajuda a monitorar o que está sendo consumido, mas também permite que você participe e discuta o conteúdo com as crianças.

5. Promova o Equilíbrio: Encoraje atividades que não envolvam telas, como esportes, artes e leitura, para garantir um desenvolvimento holístico.

6. Eduque sobre o Uso Consciente: Ensine as crianças sobre a importância de um uso equilibrado da tecnologia e como ela pode ser uma ferramenta poderosa quando usada corretamente.

7. Feedback e Ajustes: Esteja aberto a feedback das crianças sobre o que funciona ou não, e ajuste as abordagens conforme necessário.

Lembre-se, a tecnologia é uma ferramenta, e o importante é como ela é utilizada no contexto da aprendizagem!

Como a tecnologia pode complementar — e não substituir — as outras formas de intervenção que já fazem parte da rotina da criança autista?

A tecnologia pode ser uma poderosa aliada nas intervenções para crianças autistas, complementando abordagens tradicionais sem substituí-las. Aqui estão algumas maneiras de como isso pode acontecer:

1. Integração com Terapias: A tecnologia pode ser usada para reforçar o que é ensinado em terapias, como a terapia ocupacional ou fonoaudiologia. Por exemplo, aplicativos de comunicação podem ser utilizados em casa para praticar habilidades aprendidas nas sessões.

2. Apoio Visual: Ferramentas digitais podem criar recursos visuais, como cronogramas e histórias sociais, que ajudam a criança a entender melhor suas rotinas e interações sociais, complementando métodos tradicionais de ensino.

3. Feedback Imediato: Jogos e aplicativos educativos podem fornecer feedback instantâneo, ajudando a criança a reconhecer seu progresso e a se motivar, enquanto as intervenções tradicionais podem focar em habilidades sociais e emocionais.

4. Personalização do Aprendizado: A tecnologia permite que os pais e educadores adaptem o conteúdo às necessidades específicas da criança, oferecendo um aprendizado mais personalizado que pode ser integrado às atividades diárias.

5. Facilitação da Comunicação: Dispositivos de comunicação aumentativa e alternativa (CAA) podem ser usados em conjunto com métodos de comunicação tradicionais, ajudando a criança a expressar suas necessidades e sentimentos de forma mais eficaz.

6. Monitoramento do Progresso: Aplicativos que rastreiam comportamentos e habilidades podem ajudar pais e educadores a monitorar o progresso da criança ao longo do tempo, permitindo ajustes nas intervenções conforme necessário.

7. Envolvimento da Família: A tecnologia pode facilitar a comunicação entre terapeutas, educadores e famílias, permitindo que todos estejam na mesma página sobre as estratégias e progressos da criança.

8. Atividades Lúdicas: Jogos e atividades digitais podem ser usados como uma forma de motivação e recompensa, tornando o aprendizado mais divertido e engajador, sem substituir as interações sociais e brincadeiras tradicionais.

Ao usar a tecnologia como uma ferramenta complementar, é importante garantir que haja um equilíbrio saudável e que as interações humanas e as abordagens tradicionais continuem a ser uma parte central do desenvolvimento da criança.

Para finalizar, que mensagem você deixaria para as famílias que estão em busca de novas formas de se comunicar e se conectar com seus filhos autistas?

A mensagem que deixo para as famílias é a seguinte: cada criança é única e possui seu próprio jeito de se comunicar e se conectar com o mundo. É fundamental ter paciência e estar aberto a explorar diferentes abordagens.

Aqui estão algumas dicas para fortalecer essa conexão:

1. Escute com o coração: Esteja atento às formas de comunicação do seu filho, seja verbal ou não verbal. Às vezes, a comunicação pode vir através de gestos, expressões faciais ou até mesmo comportamentos.

2. Use a tecnologia a seu favor: Ferramentas digitais podem ser uma ponte poderosa para a comunicação. Explore aplicativos de comunicação, jogos interativos e recursos visuais que possam ajudar seu filho a se expressar.

3. Crie um ambiente seguro: Proporcione um espaço onde seu filho se sinta confortável para se expressar. Isso pode incluir momentos de calma, rotinas previsíveis e um ambiente acolhedor.

4. Seja criativo: Experimente diferentes atividades que possam interessar seu filho, como arte, música ou jogos. Essas experiências podem abrir novas portas para a comunicação e a conexão.

5. Celebre as pequenas conquistas: Cada passo em direção à comunicação é uma vitória. Celebre os progressos, por menores que sejam, e mostre ao seu filho que você está ao seu lado nessa jornada.

6. Busque apoio: Não hesite em procurar grupos de apoio, terapeutas ou profissionais que possam oferecer orientações e recursos. Compartilhar experiências com outras famílias pode ser muito enriquecedor.

Lembre-se de que a conexão é um processo contínuo e que cada esforço conta. O amor, a paciência e a compreensão são as chaves para construir um relacionamento forte e significativo com seu filho. Você não está sozinho nessa jornada, e cada dia traz novas oportunidades para se conectar e crescer juntos.

Livro Publicado

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