O tratamento da ansiedade no autismo exige abordagens específicas, que respeitem o perfil neurológico da pessoa autista. Neste post, abordamos as estratégias terapêuticas mais eficazes e o papel da psicoterapia no manejo da ansiedade em crianças, adolescentes e adultos com TEA.
A ansiedade no autismo é uma das comorbidades mais frequentes e impactantes para a qualidade de vida de pessoas autistas, especialmente aquelas com nível 1 de suporte. A boa notícia é que existem estratégias terapêuticas eficazes — muitas delas baseadas em evidências científicas — que ajudam a reduzir o sofrimento psíquico e melhorar a autonomia e o bem-estar do indivíduo.
Neste post, vamos abordar o tratamento da ansiedade no autismo a partir de uma perspectiva integrada, com destaque para o papel da psicoterapia, adaptações nas abordagens clínicas e ferramentas complementares que respeitam as particularidades do TEA.
Terapias baseadas em evidências no tratamento da ansiedade no autismo
1. Terapia Cognitivo-Comportamental adaptada (TCC-A)
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma das abordagens mais estudadas para o tratamento de transtornos de ansiedade. No contexto do autismo, adaptações são necessárias para respeitar o funcionamento neurológico, as dificuldades de abstração e o estilo de comunicação do paciente autista.
As principais adaptações da TCC para autistas incluem:
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Uso de recursos visuais, como fluxogramas, cartazes e quadrinhos;
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Foco na regulação emocional, com identificação concreta de sensações e emoções;
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Inclusão de interesses especiais como motivadores no processo terapêutico;
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Envolvimento de familiares ou cuidadores (quando necessário);
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Abordagem estruturada, previsível e direta.
Estudos como os de Wood et al. (2009) e Sung et al. (2011) demonstraram eficácia significativa da TCC adaptada na redução de sintomas de ansiedade em crianças e adolescentes autistas.
2. Terapia de regulação emocional
Muitas pessoas autistas têm dificuldades com o reconhecimento, nomeação e gestão das próprias emoções — o que aumenta os níveis de ansiedade. A terapia de regulação emocional tem como foco desenvolver habilidades como:
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Reconhecer sinais corporais de ansiedade;
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Criar estratégias de enfrentamento (coping skills);
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Reduzir crises de meltdown ou shutdown associadas à sobrecarga emocional.
Essa abordagem é usada tanto dentro da TCC quanto em outras terapias, como a Terapia Dialética-Comportamental (DBT), que também tem sido adaptada para pessoas com TEA.
3. Terapia Ocupacional com foco em integração sensorial
A hipersensibilidade sensorial é um fator frequentemente ligado à ansiedade no autismo. Sons altos, luzes fortes, texturas desconfortáveis ou cheiros intensos podem ser gatilhos para crises. A Terapia Ocupacional com enfoque em Integração Sensorial ajuda a:
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Reduzir o impacto desses estímulos sensoriais;
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Ensinar estratégias reguladoras (ex: fones abafadores, pausas sensoriais);
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Trabalhar a autorregulação em ambientes desafiadores.
Essas práticas são especialmente relevantes para crianças e adolescentes, mas também podem beneficiar adultos com apoio especializado.
4. Psicoterapia individual centrada na pessoa autista
O acompanhamento psicológico é uma ferramenta essencial no tratamento da ansiedade, desde que respeite a identidade autista. Psicoterapias centradas na pessoa, como a abordagem humanista, têm ganhado destaque por:
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Validar a experiência autista sem buscar “normalizar” comportamentos;
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Trabalhar autoestima, autocompreensão e autoconhecimento;
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Reduzir a ansiedade associada à camuflagem e à rejeição social.
É importante que o profissional tenha formação em autismo ou, no mínimo, uma postura neuroafirmativa — ou seja, que não parta da premissa de que a pessoa precisa ser “consertada”.
O papel da psicoterapia na redução da ansiedade no autismo
A psicoterapia, quando bem conduzida e adaptada, tem o potencial de transformar a forma como o autista lida com suas emoções, com o mundo e consigo mesmo. Entre os benefícios mais relatados estão:
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Redução de sintomas ansiosos crônicos;
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Melhora nas habilidades sociais, de forma natural e não forçada;
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Desenvolvimento da autodefesa emocional, importante para evitar esgotamentos;
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Maior segurança para enfrentar mudanças e lidar com imprevistos.
Além disso, a psicoterapia oferece um espaço seguro onde o autista pode se expressar sem julgamentos — um fator essencial para pessoas que passaram a vida se sentindo “diferentes” ou “erradas”.
Para crianças, a psicoterapia pode incluir elementos lúdicos e visuais, enquanto adolescentes e adultos podem se beneficiar de uma escuta ativa e empática, associada a técnicas de enfrentamento personalizadas.
Outros recursos terapêuticos complementares
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Mindfulness adaptado: técnicas de atenção plena, adaptadas com recursos visuais e linguagem concreta, têm mostrado bons resultados para ansiedade e autorregulação.
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Grupos de habilidades sociais: quando conduzidos de forma respeitosa, com foco na troca entre pares autistas, podem ajudar na redução da ansiedade social.
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Uso de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA): em pessoas com dificuldades na linguagem verbal, a CAA reduz frustrações e evita ansiedade relacionada à comunicação.
Conclusão
O tratamento da ansiedade no autismo exige um olhar atento, respeitoso e individualizado. Não existe uma única abordagem eficaz para todos — e sim um conjunto de estratégias que podem ser combinadas conforme o perfil, os interesses e as necessidades da pessoa autista. A psicoterapia, quando adaptada ao universo do TEA, é uma aliada potente no caminho da regulação emocional e da autonomia.
Investir em uma escuta neuroafirmativa e em práticas baseadas em evidência é o melhor caminho para garantir bem-estar a pessoas autistas de todas as idades.
Referências bibliográficas
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