ENTREVISTAS

Daniela Barreto de Oliveira Ferreira

Mestre em Educação, Pedagoga, Neuropsicopedagoga, Psicopedagoga, Neuroterapeuta, Especialista em Neurociência e Análise do Comportamento Aplicada (ABA), CEO do Instituto Neuroestar, do Consultório Cognitivo, criadora do Neuroestarcast e Apresentadora do quadro Conecte-se: Saúde e Educação em Pauta, na RedeTV TO.

Quando o diagnóstico liberta: o caso de Elisa e o autismo na vida adulta

Aos 32 anos, Elisa descobriu que era autista — e tudo passou a fazer sentido. Neste relato, ela compartilha sua trajetória até o diagnóstico, os efeitos da neuromodulação e o impacto transformador da escuta clínica e do autoconhecimento. Um convite à reflexão sobre o autismo em mulheres adultas.

Daniela, o que mais chamou sua atenção na história da Elisa quando ela chegou até você em busca de ajuda?

O que mais me tocou na história da Elisa foi o peso que ela carregava há tantos anos por não se entender, a sensação constante de inadequação, como se algo estivesse “errado” com ela, quando na verdade seu cérebro apenas funciona de uma forma diferente. Ela era extremamente funcional, inteligente, sensível, mas vivia num esforço contínuo para se encaixar. Isso esgotava sua saúde mental. Quando ela chegou até mim, trazia um olhar de cansaço, mas também um fio de esperança. O desejo de se entender era genuíno, e isso foi fundamental para o sucesso do processo.

Você acredita que o caso da Elisa representa a realidade de muitas mulheres autistas que só são diagnosticadas na fase adulta? Por quê?

Sim, sem dúvida. O caso da Elisa é um retrato fiel da realidade de muitas mulheres no espectro autista. Por muito tempo, o diagnóstico do autismo foi construído com base em estudos majoritariamente voltados para meninos, o que deixou de fora muitas manifestações mais sutis ou camufladas do TEA em mulheres. Elas aprendem desde cedo a imitar comportamentos sociais esperados, o que mascara sinais clínicos. São rotuladas como “tímidas”, “perfeccionistas” ou “exigentes”, quando na verdade estão em constante esforço para manter uma imagem funcional. Isso faz com que o diagnóstico só venha quando há uma ruptura, como crises de ansiedade, Burnout ou depressão.

Por favor, nos conte a experiência da Elisa.

Elisa, 34 anos: uma mulher no espectro e a descoberta que transformou sua vida

Elisa tem 34 anos, é publicitária e foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 32. Durante boa parte da vida, acreditou que era simplesmente “estranha”, “exigente demais” ou “reservada”. Na verdade, ela vinha navegando por um mundo que não parecia feito para ela, sem entender o porquê de se sentir tão deslocada.

Na infância, lia precocemente, usava um vocabulário muito elaborado e preferia brincar sozinha. Tinha dificuldades com contato visual, não gostava de barulho e se incomodava com tecidos e cheiros específicos. Mas como era uma menina estudiosa e educada, ninguém imaginou que pudesse estar no espectro. Afinal, o autismo ainda é, muitas vezes, subdiagnosticado em mulheres, que costumam desenvolver estratégias sofisticadas de camuflagem.

Aos 32 anos, após episódios de Burnout, crises de ansiedade e grande exaustão mental, Elisa buscou ajuda. Foi então que, após uma avaliação neuropsicológica, recebeu o diagnóstico de TEA nível 1 (sem deficiência intelectual). A notícia foi recebida com um misto de alívio, tristeza e recomeço.

Segundo ela relatou, entender que havia uma explicação neurobiológica para tantas dificuldades da vida, e que não se tratava de falhas pessoais, foi como “tirar um peso das costas”. O diagnóstico permitiu que revisitasse sua história com menos julgamento e mais compaixão.

No ambiente profissional, Elisa sempre foi competente, mas enfrentava dificuldades com situações imprevistas, reuniões sem pauta e ambientes ruidosos. Mudanças de rotina desestabilizavam sua produtividade. Precisava de organização e previsibilidade para funcionar bem, o que nem sempre era compreendido pelos colegas ou superiores.

Nas relações sociais, vivia o paradoxo entre desejar conexões e se sentir esgotada após interações. Já nas relações afetivas, relatava dificuldade com pistas sociais, comunicação emocional e situações de toque, o que gerava frustrações tanto nela quanto nos parceiros.

Essa invisibilidade social era acompanhada por um sentimento constante de inadequação. Mesmo realizando tarefas com excelência, sentia-se esgotada por manter o “personagem social” diariamente.

Um divisor de águas no tratamento de Elisa foi a introdução da neuromodulação não invasiva, a técnica de Neurofeedback e a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS/ETCC).

Inicialmente, ela teve dúvidas quanto à eficácia da técnica. No entanto, já nas primeiras sessões, foram observadas mudanças significativas: a atenção se tornou mais estável, facilitando o planejamento de tarefas; as crises sensoriais diminuíram, e a sobrecarga com sons e luzes fortes passou a ser mais tolerável; houve melhora na regulação emocional, o que a ajudou a lidar melhor com mudanças e frustrações; sua ansiedade social foi reduzida, permitindo que participasse de interações com mais segurança e menos desgaste.

A neuromodulação não “curou” o autismo, nem esse era o objetivo, mas melhorou consideravelmente sua qualidade de vida, ampliando sua autonomia e equilíbrio diário.

Hoje, Elisa segue em processo contínuo de autoconhecimento. Mantém acompanhamento terapêutico, desenvolveu uma rede de apoio segura e passou a se posicionar com mais firmeza quanto às suas necessidades.

Ela celebra pequenas vitórias, como conseguir participar de eventos sociais sem crises, organizar viagens sem paralisar diante dos imprevistos e manter uma rotina mais fluida no trabalho.

O diagnóstico e o tratamento não a definem, mas a ajudam a existir com mais autenticidade e menos culpa. O que antes era visto como “fragilidade”, hoje é reconhecido como uma forma diferente, e válida, de perceber o mundo.

Como a neuromodulação não invasiva (Neurofeedback e Estimulação Transcraniana – tDCS/ETCC) contribuiu para a melhora da qualidade de vida da Elisa, e em quais aspectos você notou os efeitos mais significativos?

A neuromodulação foi um divisor de águas para a Elisa. Ela já estava em processo terapêutico, mas faltava um suporte mais direto ao funcionamento cerebral. Com o Neurofeedback, conseguimos treinar a autorregulação das ondas cerebrais, promovendo mais estabilidade emocional e foco. Já a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS/ETCC) teve efeitos muito positivos sobre sua atenção, regulação sensorial e controle da ansiedade. Os resultados mais marcantes foram a redução das crises de sobrecarga, a melhora na tolerância a estímulos sensoriais (sons, luzes, toques), e principalmente o ganho de autonomia, ela passou a conseguir gerenciar melhor seus dias, interagir socialmente sem tanto desgaste e se reorganizar diante de mudanças. Isso trouxe mais confiança e leveza ao cotidiano dela.

Na sua visão, o que muda no processo terapêutico quando a mulher autista começa a se entender e se aceitar a partir do diagnóstico?

Tudo muda. O diagnóstico oferece uma nova lente de compreensão. Deixa de ser um rótulo negativo e passa a ser uma chave de acesso à autocompaixão, ao respeito às próprias necessidades e limites. A mulher deixa de se enxergar como “errada” ou “frágil” e começa a se ver como alguém com um funcionamento neurobiológico específico, que precisa de estratégias adequadas, não de autocrítica. Isso fortalece o vínculo terapêutico, amplia as possibilidades de intervenção e, principalmente, resgata a autoestima. A Elisa, por exemplo, passou a se posicionar melhor, fazer escolhas mais alinhadas com seus valores e construir relações mais saudáveis.

Que mensagem você deixaria para outras mulheres que, assim como a Elisa, passaram a vida se sentindo deslocadas, sem saber que estavam no espectro?

A minha mensagem é: você não está sozinha. Muitas mulheres passaram ou ainda passam pelo mesmo caminho de silêncio, julgamento e esgotamento. Se você sempre sentiu que não se encaixava, que precisava se esforçar demais para parecer “normal”, é porque seu cérebro apenas funcione de uma maneira diferente, e isso é totalmente válido. O diagnóstico não limita, ele liberta. Buscar ajuda, se conhecer e encontrar uma rede segura pode transformar sua história. Você merece viver com autenticidade, com acolhimento e, acima de tudo, com respeito por quem você é.

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