No fim de outubro, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão especial para elaborar o Estatuto da Neurodiversidade, unificando dezenas de projetos de lei que tratam do Transtorno do Espectro Autista (TEA). A proposta promete ampliar direitos, fortalecer políticas públicas e criar um marco nacional de acolhimento às pessoas autistas, mas a pergunta inevitável é: será que mais uma lei é suficiente para mudar realidades?
O Brasil já conta com normas importantes — como a Lei Berenice Piana (12.764/2012) e a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) —, mas, na prática, o acesso aos direitos ainda é desigual. Faltam diagnósticos precoces, atendimentos multidisciplinares, formação de profissionais e políticas que cheguem além dos grandes centros. Em muitas cidades, o autismo ainda é invisível, tratado como exceção e não como parte legítima da diversidade humana.
O novo estatuto nasce com a promessa de integração: saúde, educação, assistência social e trabalho em diálogo, com foco nas singularidades de cada pessoa. É um avanço. Contudo, ampliar o alcance da lei para toda a “neurodiversidade” levanta um dilema: como garantir que a especificidade do autismo não se dilua em um conceito genérico? Cada indivíduo no espectro possui necessidades únicas — e políticas amplas demais podem correr o risco de se tornarem rasas.
Há outro ponto crucial: participação. As pessoas autistas e suas famílias serão protagonistas da construção dessa política ou apenas ouvintes em audiências públicas? Sem essa escuta, o estatuto corre o risco de repetir o erro de legislar sobre corpos e mentes sem lhes dar voz.
Mais do que aprovar um novo texto legal, é preciso transformar cultura. De que adianta garantir inclusão no papel se a escola não acolhe, se o mercado não adapta, se a sociedade ainda rotula? O desafio não está apenas em ampliar direitos, mas em garantir que eles se tornem experiências vividas — concretas, cotidianas, humanas.
A criação do Estatuto da Neurodiversidade é, sem dúvida, um passo histórico. Pode representar o início de uma nova era de reconhecimento, respeito e pertencimento. Mas só cumprirá seu papel se vier acompanhada de vontade política, investimento público e sensibilidade social.
Não basta escrever direitos — é preciso vivê-los. O Brasil está diante de uma escolha: transformar o estatuto em símbolo de inclusão real ou deixá-lo ser apenas mais um documento que promete o que ainda não sabemos cumprir.
* Bruno Luis Simão é licenciado em Pedagogia, Normal Superior com Habilitação em Educação Infantil, Educação Física, Artes visuais, Psicopedagogia e Educação Especial. Especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Inclusiva, Ludopedagogia, Psicomotricidade e desenvolvimento Humano, Neuropsicopedagogia, Transtorno do Espectro Autista e Formação Docente para EAD, e professor da Escola Superior de Educação, do Centro Universitário Internacional Uninter.


