Quando a dor não tem palavras: como a dificuldade de expressar sentimentos esconde a depressão em autistas

Em pessoas autistas, a dificuldade de expressar sentimentos pode esconder sinais importantes de depressão. A ausência de verbalizações claras não significa ausência de sofrimento. Neste post, discutimos como essa característica pode dificultar o diagnóstico e o apoio necessário.

A dificuldade de expressar sentimentos no autismo é um dos maiores desafios no reconhecimento de condições emocionais como a depressão. Muitos autistas, especialmente adolescentes e adultos, não conseguem nomear ou comunicar com clareza o que sentem — o que pode fazer com que familiares, professores e até profissionais da saúde mental não percebam que estão diante de um quadro depressivo.

Essa dificuldade, que pode estar relacionada à alexitimia (incapacidade de identificar e descrever emoções), à rigidez cognitiva ou ao histórico de invalidação emocional, frequentemente leva à depressão mascarada em autistas. Entender essa realidade é fundamental para um cuidado mais sensível, eficaz e inclusivo.

Dificuldade de expressar sentimentos no autismo: o que isso significa?

Pessoas com TEA (transtorno do espectro autista) podem ter dificuldades em reconhecer, interpretar e comunicar suas emoções. Isso não significa que elas não sintam — pelo contrário, muitas vezes sentem intensamente — mas sim que não conseguem expressar essas emoções da maneira esperada socialmente.

Esse fenômeno pode estar associado a:

  • Alexitimia, presente em até 50% das pessoas autistas, que dificulta o reconhecimento das próprias emoções;

  • Déficits na teoria da mente, que impactam a percepção das próprias emoções e das dos outros;

  • Estresse sensorial constante, que pode sobrecarregar os recursos emocionais;

  • Condicionamento social para mascarar sentimentos, principalmente em adultos diagnosticados tardiamente.

Como isso esconde os sintomas da depressão?

Na população neurotípica, os sinais clássicos de depressão incluem tristeza persistente, choro frequente, fala sobre desesperança ou vontade de morrer. Já entre autistas, especialmente os que têm dificuldade de expressar sentimentos, esses sinais podem não estar presentes ou se manifestar de outras formas.

Exemplos comuns de sintomas mascarados:

  • Retraimento social mais intenso, mas sem verbalizar tristeza;

  • Irritabilidade e explosões emocionais incomuns;

  • Queda repentina no rendimento escolar ou nas interações diárias;

  • Alterações no sono e na alimentação, sem explicações claras;

  • Aumento de comportamentos repetitivos ou autoestimulação;

  • Apatia e perda de interesse por atividades favoritas;

  • Uso de frases genéricas (“estou cansado”, “não quero sair”) para esconder o que sentem.

Por não verbalizarem o sofrimento com clareza, essas mudanças comportamentais podem ser interpretadas como “fases” ou características do TEA, quando, na verdade, são alertas para um quadro depressivo.

Alexitimia e depressão: uma ligação direta

A alexitimia é frequentemente apontada como um fator de risco para o desenvolvimento de depressão em autistas. Segundo um estudo publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders, a presença de alexitimia está mais fortemente associada a sintomas depressivos do que o próprio diagnóstico de autismo.

Isso ocorre porque a pessoa sente, mas não compreende nem compartilha o que sente. Essa desconexão emocional gera sofrimento acumulado, solidão interna e sensação de incompreensão, o que contribui diretamente para quadros depressivos.

O papel da família, da escola e dos profissionais de saúde

Reconhecer a depressão mascarada em autistas exige sensibilidade e atenção aos detalhes. Alguns caminhos possíveis incluem:

  • Observar mudanças de comportamento, mesmo que sutis;

  • Fazer perguntas abertas, sem pressionar por respostas diretas;

  • Validar emoções e oferecer linguagem emocional adaptada;

  • Utilizar recursos visuais, como escalas de humor e cartões de sentimentos;

  • Buscar apoio com psicólogos com experiência em TEA e depressão.

Na escola, professores podem identificar sinais como isolamento súbito, recusa em participar de atividades ou regressão de habilidades. Já na vida adulta, amigos, parceiros e familiares devem prestar atenção a mudanças na rotina ou comportamentos de evitação.

Conclusão

A dificuldade de expressar sentimentos em pessoas autistas não significa ausência de sofrimento. Pelo contrário: muitas vezes, é justamente essa limitação que impede que o sofrimento seja reconhecido e tratado. Falar sobre autismo e regulação emocional é um passo essencial para garantir que a depressão não passe despercebida.

A escuta ativa, o acolhimento sem julgamentos e o investimento em estratégias de comunicação adaptadas são fundamentais para oferecer suporte emocional real e efetivo. Ao compreender que a dor emocional nem sempre vem em palavras, damos um passo importante na construção de um cuidado mais empático e eficaz.

Referências bibliográficas

  1. Kinnaird, E., Stewart, C., & Tchanturia, K. (2019). Investigating alexithymia in autism: A systematic review and meta-analysis. European Psychiatry, 55, 80–89. https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2018.09.004

  2. Bird, G., & Cook, R. (2013). Mixed emotions: the contribution of alexithymia to the emotional symptoms of autism. Translational Psychiatry, 3(7), e285. https://doi.org/10.1038/tp.2013.61

  3. Mazefsky, C. A., Pelphrey, K. A., & Dahl, R. E. (2012). The need for a broader approach to emotion regulation research in autism. Child Development Perspectives, 6(1), 92–97.

  4. APA (American Psychiatric Association). (2022). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-5-TR.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest