Mulheres autistas costumam vivenciar os relacionamentos sociais de forma diferente. Algumas desejam amizades profundas, mas têm dificuldade para iniciá-las e mantê-las. Outras preferem a solitude e sentem-se bem sozinhas. Neste post, vamos explorar os desafios, desejos e estratégias em torno dos relacionamentos e autismo em mulheres.
Desde cedo, as meninas são incentivadas socialmente a cultivar amizades, ser carinhosas, comunicativas e emocionalmente disponíveis. Para as meninas autistas, esse modelo imposto pode gerar sofrimento, exclusão ou confusão interna, especialmente quando seus relacionamentos não seguem esse padrão.
No autismo feminino, os relacionamentos sociais costumam ter nuances particulares: muitas mulheres desejam se conectar, mas encontram barreiras emocionais, cognitivas ou sensoriais. Outras vivem bem com a solitude e sofrem com a pressão de que devem ser “mais sociais”.
Neste post, vamos abordar como mulheres autistas se relacionam com o mundo social, os desafios mais comuns, o impacto do masking e as estratégias para promover conexões mais saudáveis e respeitosas.
1. Relações sociais e o espectro: múltiplas formas de existir
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurodivergente que afeta a forma como a pessoa percebe, processa e interage com o mundo ao redor. Isso inclui também a maneira como se relaciona com os outros.
No caso das mulheres, os sinais costumam ser mais sutis. Elas frequentemente desenvolvem estratégias de camuflagem (masking) para se adaptar socialmente. Essa camuflagem, no entanto, não representa uma interação natural, e sim uma performance exaustiva que pode levar à frustração e solidão【1】.
2. Amizade: desejo real, mas difícil de manter
Muitas mulheres autistas querem se relacionar, mas relatam dificuldades como:
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Não saber como iniciar conversas;
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Perceber sinais sociais de forma confusa ou atrasada;
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Não entender “regras implícitas” das interações;
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Se sentir diferentes, julgadas ou deslocadas;
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Ter sido traídas ou mal interpretadas com frequência.
Essas experiências podem gerar ansiedade social, retraimento e até isolamento voluntário, como forma de autoproteção. É comum que mulheres autistas só consigam manter amizades quando há interesses compartilhados, comunicação direta e respeito à autenticidade.
3. Solitude ou solidão?
Nem toda mulher autista deseja estar cercada de pessoas. Muitas relatam prazer em ficar sozinhas, imersas em seus interesses, rotinas ou silêncio. Isso não é necessariamente um sinal de sofrimento. A solitude, quando escolhida conscientemente, pode ser uma forma legítima e saudável de viver.
Por outro lado, a solidão forçada — fruto da exclusão, bullying ou rejeições sucessivas — pode gerar sofrimento emocional, baixa autoestima e depressão. Por isso, é essencial diferenciar:
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Solitude = escolha pessoal, prazer e descanso;
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Solidão = ausência de vínculos significativos e sofrimento emocional.
Ambos os estados exigem escuta e respeito por parte da família, amigos e profissionais.
4. A cobrança por ser “social”
Mulheres autistas frequentemente relatam sentir-se pressionadas a:
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Manter pequenos papos (small talk) mesmo sem interesse;
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Participar de eventos sociais exaustivos;
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Sorrir e demonstrar empatia de forma performática;
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Atuar como “boas ouvintes” sem receber reciprocidade.
Essa cobrança contribui para o masking e o consequente burnout social. A tentativa constante de se encaixar em padrões neurotípicos desgasta emocionalmente e afasta a mulher autista de vínculos autênticos.
5. Relações autênticas são possíveis — e necessárias
Apesar das dificuldades, mulheres autistas podem e costumam estabelecer vínculos afetivos sólidos e duradouros, especialmente quando encontram pessoas que:
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Respeitam seu tempo e ritmo;
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Comunicaram-se de forma clara e direta;
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Compartilham interesses;
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Têm empatia pela forma diferente de sentir e perceber o mundo.
Algumas também se identificam mais com amizades virtuais, onde há menor sobrecarga sensorial e mais tempo para processar informações. Grupos de apoio, comunidades neurodivergentes e redes de afinidade são espaços potentes para essas conexões.
6. Estratégias de apoio aos relacionamentos sociais no autismo feminino
É possível apoiar mulheres autistas no desenvolvimento de vínculos saudáveis sem pressionar ou invalidar sua forma de ser. Algumas estratégias incluem:
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Oferecer ambientes sociais seguros e sem julgamentos;
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Estimular conexões baseadas em interesses, e não em obrigatoriedades;
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Ajudar a identificar sinais de relações tóxicas;
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Validar o direito de não querer interações constantes;
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Promover o autoconhecimento sobre o próprio perfil social e emocional;
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Encaminhar, se necessário, para terapias de habilidades sociais com abordagem neuroafirmativa.
Conclusão
Os relacionamentos e o autismo em mulheres não seguem um modelo único — e não devem seguir. Algumas mulheres autistas desejam conexões intensas, outras vivem bem com poucos vínculos ou com a própria companhia. O essencial é garantir que todas tenham o direito de se relacionar (ou não) de forma respeitosa, livre de estigmas e com apoio quando necessário.
Referências bibliográficas
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Hull, L., Petrides, K. V., Allison, C., Smith, P., Baron-Cohen, S., Lai, M. C., & Mandy, W. (2017). Gender differences in self-reported camouflaging in autistic and non-autistic adults. Autism, 21(6), 819–829.
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Bargiela, S., Steward, R., & Mandy, W. (2016). The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions: An Investigation of the Female Autism Phenotype. Journal of Autism and Developmental Disorders, 46(10), 3281–3294.
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Attwood, T. (2007). The Complete Guide to Asperger’s Syndrome. Jessica Kingsley Publishers.
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Greenlee, J. L., Mosley, A. S., Shui, A., Veenstra-VanderWeele, J., & Gotham, K. O. (2022). Women with Autism Spectrum Disorder: Perceptions of Their Diagnosis and Suggestions for Improvement. Research in Autism Spectrum Disorders, 85, 101833.
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Mandy, W. (2022). Social camouflaging in autism: the roles of gender and context. The Lancet Psychiatry, 9(4), 256-258.