TDAH em autistas: impactos na atenção, impulsividade e regulação emocional

Quando o TDAH está presente em pessoas autistas, os desafios relacionados à atenção, impulsividade e regulação emocional se intensificam. Neste post, explicamos como essa comorbidade afeta o dia a dia, o comportamento e o bem-estar da pessoa autista, com base nas evidências mais recentes.

O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma das comorbidades mais comuns no Transtorno do Espectro Autista (TEA), afetando entre 30% e 80% das pessoas autistas. Embora TDAH e TEA sejam condições diferentes, quando coexistem, os efeitos sobre o funcionamento emocional e comportamental podem ser ainda mais complexos.

Pessoas com TDAH e autismo enfrentam dificuldades que vão além do que cada condição, isoladamente, costuma provocar. Entre os maiores desafios estão: atenção instável, impulsividade intensa e dificuldade em regular emoções. Neste post, vamos explorar como essas características se manifestam no cotidiano e como podem ser compreendidas e apoiadas de forma adequada.

Como o TDAH afeta a atenção em pessoas autistas

A dificuldade de atenção é um dos sintomas centrais do TDAH e pode se manifestar de formas diferentes em pessoas com TEA. Entre os principais efeitos:

  • Desatenção seletiva: a pessoa pode se distrair facilmente com estímulos externos, interrompendo tarefas com frequência.

  • Dificuldade de iniciar ou concluir atividades: principalmente aquelas que não fazem parte de seus interesses restritos ou que exigem esforço contínuo.

  • Problemas com memória de trabalho: o que interfere na execução de etapas em sequência (ex.: escovar os dentes, colocar os sapatos, pegar a mochila).

  • Oscilação entre distração e hiperfoco: algumas pessoas alternam entre extrema dificuldade de atenção e foco intenso em assuntos de interesse.

No ambiente escolar ou profissional, isso pode resultar em baixo rendimento, sensação de frustração e desmotivação. Muitas vezes, essas dificuldades são interpretadas como “falta de interesse” ou “preguiça”, o que aumenta ainda mais o sofrimento emocional.

Como o TDAH influencia a impulsividade no autismo

A impulsividade é uma marca registrada do TDAH e pode ser intensificada quando associada ao TEA. Isso se manifesta de diversas formas:

  • Interrupções frequentes em conversas ou atividades

  • Respostas antes da pergunta ser completada

  • Dificuldade em esperar a vez em jogos ou filas

  • Tomar decisões sem avaliar consequências

  • Comportamentos autolesivos ou de risco, especialmente em adolescentes

Em pessoas autistas, que já enfrentam desafios na leitura de sinais sociais e na compreensão de normas implícitas, a impulsividade do TDAH pode comprometer ainda mais as interações sociais, dificultando a manutenção de amizades e aumentando a possibilidade de conflitos.

Além disso, a impulsividade também pode gerar frustração e sobrecarga sensorial, pois a pessoa reage antes mesmo de conseguir identificar o que está sentindo.

Regulação emocional: uma área sensível no TDAH com autismo

A regulação emocional é uma habilidade que permite reconhecer, compreender, nomear e ajustar emoções de forma apropriada ao contexto. Pessoas com TDAH e TEA costumam apresentar grandes desafios nesse campo, como:

  • Mudanças rápidas de humor

  • Explosões emocionais aparentemente desproporcionais

  • Dificuldade em nomear sentimentos (alexitimia)

  • Maior vulnerabilidade ao estresse, ansiedade e crises de sobrecarga (meltdowns)

  • Baixa tolerância à frustração e rejeição

Essa dificuldade de regulação emocional tem base neurológica: há desequilíbrios nos sistemas de dopamina e noradrenalina, além de funcionamento atípico da amígdala cerebral e do córtex pré-frontal, regiões que controlam impulsos e emoções.

Muitas vezes, essas reações são mal interpretadas por professores, familiares e até profissionais de saúde. Isso pode levar a punições inadequadas ou falta de suporte, agravando ainda mais o sofrimento da pessoa.

Como apoiar? Estratégias práticas para lidar com esses impactos

Para ajudar autistas com TDAH a lidar com atenção, impulsividade e emoções, é necessário um plano integrado, com base em apoio individualizado e empático. Algumas estratégias incluem:

  • Ambientes previsíveis e estruturados

  • Organizadores visuais e cronogramas simples

  • Rotinas consistentes com pausas regulares

  • Treino de habilidades sociais e emocionais com apoio profissional

  • Técnicas de autorregulação (como respiração, mindfulness, timers visuais)

  • Intervenções psicoeducativas para a família e a escola

  • Terapia comportamental e/ou ocupacional

  • Avaliação médica para uso de medicação, se indicado

Importante: o foco não deve ser “corrigir o comportamento”, mas compreender o que está por trás dele e oferecer recursos que ajudem a pessoa a desenvolver suas capacidades de forma respeitosa.

Conclusão

O TDAH, quando presente em pessoas autistas, amplia os desafios com atenção, impulsividade e regulação emocional. Esses efeitos têm base neurológica e impactam a vida escolar, social, familiar e profissional. Reconhecer e acolher essas dificuldades — com estratégias individualizadas e empatia — é fundamental para oferecer um suporte real, respeitoso e eficaz.

Autismo com TDAH não é desorganização, desobediência ou “mau comportamento”. É um jeito diferente de funcionar — que precisa ser compreendido e apoiado, não julgado.

Referências bibliográficas

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  3. Craig, F., Margari, F., Legrottaglie, A. R., Palumbi, R., De Giambattista, C., & Margari, L. (2015). A review of executive function deficits in autism spectrum disorder and attention-deficit/hyperactivity disorder. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 11, 1833–1846.

  4. Lecavalier, L., Gadow, K. D., & DeVincent, C. J. (2006). Psychiatric and behavioral problems in children with autism spectrum disorders: A comparison with children with ADHD. Journal of Autism and Developmental Disorders, 36(8), 1101-1110.

  5. Ministério da Saúde. Linha de cuidado para pessoas com TEA na RAPS/SUS. Brasília: 2021.

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