O TDAH se manifesta de forma diferente em mulheres autistas, o que contribui para o subdiagnóstico ou diagnósticos tardios. Neste post, discutimos os principais sinais, os desafios específicos enfrentados pelas mulheres e como melhorar o reconhecimento clínico dessas condições.
Historicamente, tanto o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) quanto o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foram estudados e diagnosticados majoritariamente em meninos. Isso fez com que muitas meninas e mulheres ficassem invisíveis nas estatísticas e na clínica, mesmo apresentando sintomas claros — embora diferentes.
Estudos recentes mostram que mulheres com TEA frequentemente também apresentam sintomas de TDAH, mas esses sinais não se encaixam nos modelos tradicionais de diagnóstico, baseados em padrões masculinos. Isso contribui para um número elevado de casos subdiagnosticados ou erroneamente tratados como ansiedade, depressão ou transtorno de personalidade.
Neste post, vamos explorar como o TDAH se manifesta nas mulheres autistas, por que é mais difícil identificar, e o que pode ser feito para melhorar a escuta e o acolhimento dessas vivências.
O que já sabemos sobre TDAH e autismo em mulheres
O TDAH e o TEA são transtornos do neurodesenvolvimento que, até pouco tempo atrás, eram considerados mais comuns em meninos. No entanto, pesquisas recentes apontam que a diferença pode não estar na prevalência, mas sim na forma como os sintomas se manifestam e são percebidos — especialmente no caso das mulheres.
No TDAH, por exemplo, meninos costumam apresentar sintomas mais externos, como hiperatividade e comportamentos impulsivos, enquanto meninas tendem a ser mais desatentas, quietas e ansiosas, o que leva à falsa impressão de que estão bem adaptadas.
Quando o TDAH ocorre em mulheres autistas, os sinais ficam ainda mais difíceis de reconhecer, pois se sobrepõem às características do espectro e ao comportamento aprendido de mascaramento social (camuflagem).
Sinais de TDAH em mulheres autistas: o que observar
Nas mulheres autistas, o TDAH pode aparecer com nuances que passam despercebidas em avaliações tradicionais. Veja os sinais mais comuns:
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Desatenção crônica (não por falta de interesse, mas por sobrecarga mental)
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Falta de organização e dificuldade em priorizar tarefas
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Oscilações de foco: entre hiperfoco e total dispersão
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Esquecimento de compromissos, objetos e informações simples
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Alta impulsividade emocional e decisões rápidas sem reflexão
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Sensação constante de estar sobrecarregada, mesmo sem “grandes demandas”
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Autoexigência extrema por medo de falhar ou decepcionar os outros
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Uso de estratégias de camuflagem para parecer funcional
Muitas mulheres relatam que “sempre se sentiram diferentes”, mas só após a maternidade, burnout ou mudanças de vida é que os sintomas ficam mais evidentes.
Por que é mais difícil diagnosticar mulheres autistas com TDAH?
Existem múltiplos fatores que tornam o diagnóstico de TDAH em mulheres autistas mais complexo:
1. Estereótipos de gênero
As expectativas sociais de que meninas sejam organizadas, calmas, cuidadosas e sociáveis mascaram os sinais de TDAH e TEA. Quando há falhas nessas áreas, o comportamento é mais interpretado como preguiça, desatenção emocional ou desinteresse, e não como sintomas neurodivergentes.
2. Camuflagem social
Mulheres autistas com TDAH geralmente desenvolvem estratégias de camuflagem para se ajustar, copiando comportamentos de outras pessoas, sorrindo para agradar ou evitando mostrar dificuldades. Isso gera desgaste emocional e aumenta os índices de ansiedade, depressão e esgotamento mental.
3. Comorbidades confundem o quadro
É comum que mulheres com TEA e TDAH sejam inicialmente diagnosticadas com transtornos de humor, borderline, ansiedade generalizada ou depressão recorrente — atrasando a identificação correta.
4. Foco em sintomas masculinos nos critérios diagnósticos
Os manuais clínicos (como o DSM-5) ainda carregam viés masculino nos exemplos de sintomas, o que prejudica a identificação de sinais mais sutis ou internalizados, comuns em mulheres.
O que pode ser feito para melhorar o reconhecimento do TDAH em mulheres autistas
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Adotar instrumentos de avaliação adaptados que considerem diferenças de gênero e contextos sociais.
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Escutar os relatos da própria pessoa, mesmo quando eles não correspondem aos critérios clássicos.
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Investigar histórico escolar e emocional com atenção aos sinais internalizados (ex.: alta sensibilidade, ansiedade social, baixa autoestima desde a infância).
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Avaliação multidisciplinar, envolvendo psicólogo(a), psiquiatra e, quando necessário, neuropsicólogo(a), com conhecimento em autismo feminino e TDAH.
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Desenvolvimento de campanhas e materiais educativos com representações femininas autistas diversas, não estereotipadas.
O impacto do diagnóstico correto na vida de mulheres autistas com TDAH
O diagnóstico correto e validado traz alívio, compreensão e direcionamento. Muitas mulheres relatam que, após anos de tentativas frustradas de se encaixar ou se “consertar”, passaram a enxergar suas experiências com mais compaixão e passaram a construir uma vida mais autêntica e funcional.
Além disso, com o diagnóstico adequado, é possível:
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Escolher tratamentos apropriados (terapias, ajustes ambientais, medicação se necessário)
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Reduzir o sofrimento psíquico
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Diminuir o risco de crises de esgotamento (burnout)
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Fortalecer o senso de identidade neurodivergente
Conclusão
O TDAH em mulheres autistas ainda é subdiagnosticado, mal compreendido e muitas vezes negligenciado. É essencial reconhecer que as manifestações dessas condições variam de acordo com o gênero e o contexto sociocultural. Quanto mais cedo houver escuta, avaliação qualificada e validação das vivências, melhor será o suporte possível.
Promover a visibilidade de mulheres autistas com TDAH é um ato de cuidado, inclusão e reparação histórica. Precisamos mudar a pergunta de “o que está errado com ela?” para “como podemos compreender e apoiar melhor essa forma diferente de ser?”.
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