Interesses restritos no autismo — o que são, por que acontecem e como podem ser aliados no desenvolvimento

Interesses restritos são uma das características mais marcantes do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Compreendê-los e utilizá-los de forma estratégica pode ser essencial para o desenvolvimento educacional, emocional e social de pessoas autistas. Neste post, exploramos o que são esses interesses, por que ocorrem e como podem se transformar em poderosas ferramentas de aprendizagem.

No universo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), um comportamento comum e muitas vezes mal compreendido é o dos interesses restritos. Eles podem surgir na forma de fascínio intenso por dinossauros, trens, astronomia, horários de ônibus, máquinas, letras, números, mapas ou até objetos inusitados, como tampas de garrafa.

Embora muitas vezes vistos como obsessivos ou limitantes por quem não conhece o espectro, esses interesses, quando bem compreendidos e utilizados, podem se transformar em aliados valiosos no processo de ensino-aprendizagem e no fortalecimento da autoestima da pessoa autista.

Neste post, vamos entender o que são esses interesses, por que são tão comuns no autismo e como educadores, terapeutas e familiares podem utilizá-los de maneira positiva e estratégica.

O que são interesses restritos?

Os interesses restritos, também conhecidos como interesses específicos ou intensos, são áreas de interesse que despertam atenção profunda e contínua em uma pessoa autista. Eles fazem parte dos critérios diagnósticos do TEA, segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), e se manifestam como:

•Foco extremo em um tema específico;

•Dedicação prolongada e repetitiva ao assunto;

•Conhecimento detalhado sobre o tema;

•Baixo interesse em outras áreas fora desse foco.

É importante destacar que todos nós temos preferências e interesses, mas no caso do TEA, a intensidade, a constância e o impacto na rotina da pessoa são os principais diferenciais.

Por que os interesses restritos acontecem?

Ainda não há uma explicação única sobre a origem dos interesses restritos, mas especialistas apontam para fatores neurológicos e cognitivos característicos do TEA, como:

•Tendência à hiperfocalização;

•Funcionamento cerebral que favorece detalhamento e memória seletiva;

•Busca por previsibilidade e controle em um mundo sensorialmente imprevisível;

•Conforto emocional associado à repetição e ao conhecimento profundo.

Pesquisas em neurociência apontam que áreas do cérebro relacionadas ao prazer e à motivação podem ser ativadas durante o envolvimento com esses interesses, o que torna a atividade ainda mais atrativa para a pessoa autista.

Interesses restritos como ferramenta de ensino

Quando respeitados e bem utilizados, os interesses restritos podem se tornar uma ponte poderosa para a aprendizagem, comunicação e socialização. Ao invés de tentar reduzir ou suprimir esses interesses, o ideal é incorporá-los nas estratégias pedagógicas e terapêuticas.

Como utilizar os interesses na prática educacional:

Aproximação pedagógica: ensinar matemática usando o tema preferido (ex: contar carrinhos de brinquedo ou personagens favoritos).

Facilitar a alfabetização: usar textos, livros e jogos com vocabulário relacionado ao interesse.

Promoção da comunicação: estimular conversas e trocas sociais por meio do interesse (por exemplo, pedir para a criança explicar o assunto que domina).

Inclusão e autoestima: valorizar o conhecimento da criança como algo positivo e único diante dos colegas e da família.

Organização da rotina: usar o tema preferido em quadros visuais ou agendas para tornar a rotina mais previsível e confortável.

Exemplos práticos:

Lucas, 6 anos, fascinado por dinossauros: em vez de limitar o interesse, sua professora usou dinossauros para ensinar fonemas, contagem e até regras sociais (ex: “o Tiranossauro Rex não empurra os colegas”). O resultado foi maior engajamento nas atividades e redução das crises.

Sofia, 9 anos, apaixonada por mapas: a escola criou um projeto interdisciplinar em que ela apresentava países diferentes a cada semana. Isso fortaleceu sua comunicação oral e sua integração com a turma.

Quando os interesses podem ser um desafio

Apesar dos benefícios, os interesses restritos podem gerar dificuldades quando:

• Se tornam excessivamente repetitivos e inflexíveis;

Interferem na rotina diária (alimentação, sono, higiene);

Dificultam a socialização, por falta de interesse em outros temas;

•Causam frustração se a pessoa não consegue acessar o interesse.

Nesses casos, o acompanhamento com uma equipe multiprofissional (psicólogos, terapeutas ocupacionais, educadores) é essencial para promover equilíbrio entre o interesse e as demais demandas da vida.

Conclusão

Os interesses restritos fazem parte do jeito autista de ser e devem ser compreendidos com empatia, acolhimento e estratégia. Quando utilizados de maneira consciente, esses interesses podem ser grandes aliados no desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e sociais. O caminho não é podar, mas canalizar — transformando paixão em ferramenta, e foco em conquista.

No Portal do TEA, acreditamos que cada interesse é uma janela para o mundo autista. Vamos abrir essas janelas com cuidado e respeito.

Referências bibliográficas:

•American Psychiatric Association. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, 2013.

•Koenig, K. et al. (2015). “Restricted Interests and Social Interaction in Children with Autism.” Journal of Autism and Developmental Disorders.

•Grandin, Temple. (2014). O Cérebro Autista: Pensando Através do Espectro. Editora Valentina.

•Attwood, Tony. (2008). O Guia de Tony Attwood para os Síndromes de Asperger e Autismo.

•Baron-Cohen, Simon. (2020). The Pattern Seekers: How Autism Drives Human Invention. Basic Books.

 

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