TDAH e TEA são condições do neurodesenvolvimento que afetam o funcionamento cerebral de formas distintas, mas que também compartilham algumas semelhanças. Neste post, explicamos como o cérebro funciona em cada uma dessas condições e destacamos suas diferenças e pontos em comum, com base na neurociência atual.
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA) são frequentemente classificados como transtornos do neurodesenvolvimento. Isso significa que eles envolvem diferenças estruturais e funcionais no cérebro, desde a infância, afetando aspectos como atenção, comportamento, linguagem, percepção e interação social.
Entender como o cérebro funciona no TDAH e no TEA ajuda a desmistificar essas condições e a orientar intervenções mais eficazes e personalizadas. Neste post, vamos explorar o que as neurociências revelam sobre essas diferenças e semelhanças.
Como funciona o cérebro no TDAH?
O TDAH é caracterizado por alterações no funcionamento de neurotransmissores, especialmente dopamina e noradrenalina, que afetam o córtex pré-frontal — área responsável por funções executivas como atenção, planejamento e controle de impulsos.
Envolve alterações funcionais e estruturais em áreas cerebrais relacionadas à atenção, controle inibitório, planejamento e autorregulação. Estudos de neuroimagem revelam:
-
Disfunção nos lobos frontais, especialmente no córtex pré-frontal, que é responsável por funções executivas como tomada de decisão, organização, memória de trabalho e inibição de impulsos.
-
Hipoatividade no sistema dopaminérgico, principalmente nos circuitos de dopamina do córtex pré-frontal e do estriado. A dopamina é um neurotransmissor fundamental para motivação, recompensa e foco.
-
Alterações no cerebelo, que afeta coordenação motora e também está relacionado à atenção sustentada.
-
Volume cerebral ligeiramente reduzido em certas regiões, como o corpo caloso e o núcleo caudado.
Essas alterações explicam os principais sintomas do TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Como funciona o cérebro no autismo (TEA)?
O cérebro autista apresenta um padrão único e diverso de desenvolvimento neurológico, o que explica a variabilidade entre os indivíduos com TEA. Algumas características comuns incluem:
-
Conectividade atípica: tanto excesso quanto déficit de conexões entre diferentes regiões cerebrais. Por exemplo, pode haver hiperconectividade em áreas sensoriais e hipoconectividade em áreas sociais.
-
Diferenças no córtex pré-frontal e na amígdala, estruturas associadas à empatia, reconhecimento de emoções e comportamento social.
-
Alterações no sistema de espelhos neurais, que estão ligados à imitação, empatia e aprendizado social.
-
Diferenças na modulação sensorial, com respostas exacerbadas ou reduzidas a estímulos sonoros, visuais ou táteis.
-
Desenvolvimento acelerado de certas regiões cerebrais na infância, seguido por desaceleração no crescimento em fases posteriores.
O cérebro autista funciona de maneira mais especializada em alguns domínios (como memória de detalhes ou padrões) e menos eficiente em outros (como comunicação social), o que forma o “espectro” de manifestações.
Recentemente, pesquisadores identificaram uma sequência de 24 letras no DNA que, quando ausente, pode levar à desregulação de genes relacionados ao TEA, afetando o desenvolvimento cerebral.
Semelhanças no funcionamento cerebral entre TDAH e TEA
Apesar das diferenças, existem áreas de sobreposição funcional e estrutural entre TDAH e TEA. Veja algumas semelhanças:
-
Alterações nas funções executivas: ambos podem apresentar dificuldades com planejamento, organização e controle de impulsos.
-
Disfunções na regulação emocional: impulsividade no TDAH e reatividade sensorial e emocional no TEA.
-
Diferenças na conectividade neural: embora de formas distintas, TDAH e TEA envolvem padrões atípicos de comunicação entre regiões cerebrais.
-
Desafios na atenção: no TDAH pela dificuldade de manter o foco; no TEA, pela tendência ao hiperfoco seletivo e dificuldade em alternar a atenção.
-
Sensibilidade sensorial: presente em ambos, embora mais predominante no autismo.
-
Comorbidade: Estudos mostram que é comum a presença simultânea de TDAH e TEA, sugerindo possíveis interações genéticas e neurobiológicas.
Essas semelhanças ajudam a explicar por que há tantos casos de comorbidade entre as duas condições — cerca de 30 a 80% das pessoas com TEA também têm TDAH.
Diferenças no funcionamento cerebral entre TDAH e TEA
-
Desenvolvimento Cerebral: O TDAH apresenta atraso na maturação de certas áreas cerebrais, enquanto o TEA envolve padrões de desenvolvimento cerebral atípicos desde os primeiros anos de vida.
-
Áreas Afetadas: No TDAH, as principais alterações ocorrem no córtex pré-frontal e estruturas subcorticais; no TEA, há envolvimento mais amplo, incluindo o cerebelo e sistemas relacionados à percepção social.
Aspecto |
TDAH |
TEA |
---|---|---|
Foco atencional |
Distração e dificuldade de manter atenção |
Hiperfoco em temas específicos e dificuldade de alternância |
Motivação |
Relacionada à busca por novidade e recompensa |
Relacionada à previsibilidade e interesses restritos |
Organização cerebral |
Déficits funcionais em áreas frontais |
Conectividade atípica entre múltiplas regiões |
Neurotransmissores afetados |
Dopamina e noradrenalina |
GABA, glutamato, serotonina e também dopamina |
Sensibilidade sensorial |
Presente, mas mais discreta |
Frequente e intensa |
Empatia e cognição social |
Preservada, mas pode ser afetada por impulsividade |
Afetada por diferenças neurológicas na leitura emocional |
Padrão de desenvolvimento cerebral |
Menor volume em áreas específicas e atraso na maturação |
Crescimento acelerado inicial e depois irregular |
Conclusão
O cérebro de uma pessoa com TDAH ou TEA funciona de forma diferente — não pior — do padrão neurotípico. Enquanto o TDAH envolve dificuldades principalmente nas funções executivas e na regulação da atenção e do comportamento, o autismo se caracteriza por um padrão único de conectividade cerebral que afeta a comunicação social, o comportamento e a percepção sensorial.
Ao entender essas diferenças e semelhanças, profissionais, famílias e pessoas neurodivergentes podem encontrar estratégias mais eficazes, respeitosas e personalizadas de apoio. A neurodiversidade é parte da riqueza humana — e conhecer o funcionamento cerebral é um passo importante para a inclusão verdadeira.
Referências bibliográficas
-
American Psychiatric Association. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5ª ed. Artmed, 2014.
-
Castellanos, F. X., & Proal, E. (2012). Large-scale brain systems in ADHD: beyond the prefrontal–striatal model. Trends in Cognitive Sciences, 16(1), 17-26. https://doi.org/10.1016/j.tics.2011.11.007
-
Ecker, C. (2017). The neuroanatomy of autism spectrum disorder: An overview of structural neuroimaging findings and their translatability to the clinical setting. Autism, 21(1), 18–28. https://doi.org/10.1177/1362361315627136
-
Di Martino, A., et al. (2013). Shared and distinct intrinsic functional network centrality in autism and attention-deficit/hyperactivity disorder. Biological Psychiatry, 74(8), 623-632.
-
Just, M. A., et al. (2012). Autism as a neural systems disorder: A theory of frontal-posterior underconnectivity. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 36(4), 1292-1313.
-
Genial Care. (2023). Como funciona o cérebro autista? Recuperado de https://genialcare.com.br/blog/cerebro-autista/
-
El País. (2024). Las 24 letras cruciales en el surgimiento del autismo. Recuperado de https://elpais.com/ciencia/2024-12-04/las-24-letras-cruciales-en-el-surgimiento-del-autismo-gcaaggacatatgggcgaaggaga.html