Pessoas autistas frequentemente apresentam comportamentos repetitivos e dificuldades em lidar com mudanças. Quando o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma comorbidade, esses sinais podem se intensificar, afetando ainda mais a rotina e o bem-estar. Neste post, explicamos como diferenciar essas manifestações e quando buscar apoio especializado.
No contexto do Transtorno do Espectro Autista (TEA), a dificuldade em lidar com mudanças e a presença de comportamentos repetitivos são características bem documentadas e esperadas. No entanto, quando o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) surge como uma comorbidade, essas manifestações podem ganhar uma dimensão diferente, mais intensa e angustiante. Entender essa sobreposição é essencial para um diagnóstico preciso e intervenções mais eficazes.
Neste post, vamos abordar como o TOC se manifesta em pessoas autistas com foco na intensificação da rigidez cognitiva e dos comportamentos repetitivos, especialmente frente a mudanças. Nosso objetivo é ajudar famílias, profissionais e autistas adultos a identificar quando essas dificuldades podem ir além do esperado para o TEA e sinalizar a presença do TOC.
O que é o TOC?
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é uma condição de saúde mental caracterizada pela presença de obsessões (pensamentos, imagens ou impulsos recorrentes e indesejados) e/ou compulsões (comportamentos repetitivos ou atos mentais realizados para aliviar a ansiedade causada pelas obsessões).
Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), essas obsessões e compulsões são excessivas, consomem tempo e causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida.
TOC como comorbidade no TEA
Estudos mostram que o TOC é uma comorbidade relativamente comum em pessoas com autismo. Estima-se que até 17% dos indivíduos autistas apresentem também sintomas de TOC, embora essa prevalência varie de acordo com a metodologia e os critérios diagnósticos utilizados.
A sobreposição entre sintomas do TEA e do TOC pode dificultar o diagnóstico diferencial. Isso ocorre porque tanto o autismo quanto o TOC envolvem comportamentos repetitivos, rotinas rígidas e resistência à mudança. No entanto, o que motiva e sustenta esses comportamentos pode ser muito diferente.
Dificuldade com mudanças: TEA ou TOC?
No autismo, a dificuldade em lidar com mudanças está ligada à necessidade de previsibilidade, controle e segurança. Mudanças inesperadas podem gerar ansiedade por romper com padrões estruturados que ajudam a pessoa autista a se organizar e sentir-se segura no mundo.
Já no TOC, a resistência à mudança pode estar relacionada à necessidade de realizar rituais ou evitar pensamentos obsessivos que causam desconforto. Nesse caso, o comportamento repetitivo não é apenas uma preferência por rotina, mas uma tentativa de aliviar uma angústia interna intensa e, muitas vezes, irracional.
Exemplos de como isso pode aparecer na prática:
-
TEA: a criança se recusa a usar um novo par de sapatos porque está acostumada com o antigo e sente desconforto com a mudança.
-
TOC: o adolescente se recusa a usar um novo par de sapatos porque acredita que, se não usar o mesmo de sempre, algo ruim vai acontecer com alguém da família.
Intensificação dos comportamentos repetitivos
Quando o TOC está presente, os comportamentos repetitivos vão além das estereotipias do TEA. Eles tendem a ser mais complexos, menos ligados à autorregulação sensorial e mais guiados por uma ansiedade intensa e difícil de controlar.
Pessoas com TEA e TOC podem apresentar:
-
Ritualização de tarefas simples (como lavar as mãos de forma repetitiva e demorada);
-
Repetição de frases ou perguntas com angústia real por trás da dúvida;
-
Checagens frequentes (como verificar inúmeras vezes se a porta está trancada);
-
Sofrimento visível se o ritual for interrompido ou impedido.
Essa intensificação interfere na funcionalidade e na qualidade de vida, tanto da pessoa autista quanto de sua família ou cuidadores.
Quando buscar ajuda especializada
Nem toda resistência à mudança ou comportamento repetitivo em pessoas autistas indica a presença de TOC. No entanto, alguns sinais devem servir de alerta:
-
Sofrimento visível diante da impossibilidade de realizar um ritual;
-
Pensamentos obsessivos que causam medo ou culpa;
-
Rituais que consomem muito tempo e interferem na rotina;
-
Dificuldade em se adaptar a novas situações mesmo com apoio e preparação;
-
Irritabilidade ou crises intensas diante de pequenas alterações na rotina.
Nesses casos, é fundamental buscar avaliação de um(a) profissional de saúde mental com experiência em autismo e TOC. O tratamento pode incluir terapia cognitivo-comportamental adaptada ao perfil da pessoa autista, uso de medicação (como ISRS), psicoeducação e apoio à família.
Conclusão
Entender a diferença entre a rigidez típica do autismo e os comportamentos compulsivos do TOC é um passo importante para oferecer o apoio certo. Quando as dificuldades com mudanças e os comportamentos repetitivos se tornam fonte de sofrimento ou prejuízo funcional, é hora de olhar com atenção para a possibilidade de uma comorbidade.
A boa notícia é que, com o diagnóstico correto e intervenções adequadas, é possível melhorar a qualidade de vida e promover mais autonomia para a pessoa autista com TOC.
Referências bibliográficas
-
American Psychiatric Association. (2013). DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed.).
-
Russell, A. J., Mataix-Cols, D., Anson, M., & Murphy, D. G. (2005). Obsessions and compulsions in Asperger syndrome and high-functioning autism. The British Journal of Psychiatry, 186(6), 525–528.
-
Van Ameringen, M., Patterson, B., & Simpson, W. (2014). DSM-5 obsessive-compulsive and related disorders: clinical implications of new criteria. Depression and Anxiety, 31(6), 487–493.
-
Zandt, F., Prior, M., & Kyrios, M. (2007). Repetitive behaviour in children with high functioning autism and obsessive compulsive disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37(2), 251–259.
-
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). (2021). Diretrizes Clínicas para o TOC. Disponível em: https://www.abp.org.br/