TOC e Autismo: Quando a Dificuldade com Mudanças e os Comportamentos Repetitivos se Intensificam

Lucas George Wendt

Pessoas autistas frequentemente apresentam comportamentos repetitivos e dificuldades em lidar com mudanças. Quando o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma comorbidade, esses sinais podem se intensificar, afetando ainda mais a rotina e o bem-estar. Neste post, explicamos como diferenciar essas manifestações e quando buscar apoio especializado.

No contexto do Transtorno do Espectro Autista (TEA), a dificuldade em lidar com mudanças e a presença de comportamentos repetitivos são características bem documentadas e esperadas. No entanto, quando o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) surge como uma comorbidade, essas manifestações podem ganhar uma dimensão diferente, mais intensa e angustiante. Entender essa sobreposição é essencial para um diagnóstico preciso e intervenções mais eficazes.

Neste post, vamos abordar como o TOC se manifesta em pessoas autistas com foco na intensificação da rigidez cognitiva e dos comportamentos repetitivos, especialmente frente a mudanças. Nosso objetivo é ajudar famílias, profissionais e autistas adultos a identificar quando essas dificuldades podem ir além do esperado para o TEA e sinalizar a presença do TOC.

O que é o TOC?

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é uma condição de saúde mental caracterizada pela presença de obsessões (pensamentos, imagens ou impulsos recorrentes e indesejados) e/ou compulsões (comportamentos repetitivos ou atos mentais realizados para aliviar a ansiedade causada pelas obsessões).

Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), essas obsessões e compulsões são excessivas, consomem tempo e causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida.

TOC como comorbidade no TEA

Estudos mostram que o TOC é uma comorbidade relativamente comum em pessoas com autismo. Estima-se que até 17% dos indivíduos autistas apresentem também sintomas de TOC, embora essa prevalência varie de acordo com a metodologia e os critérios diagnósticos utilizados.

A sobreposição entre sintomas do TEA e do TOC pode dificultar o diagnóstico diferencial. Isso ocorre porque tanto o autismo quanto o TOC envolvem comportamentos repetitivos, rotinas rígidas e resistência à mudança. No entanto, o que motiva e sustenta esses comportamentos pode ser muito diferente.

Dificuldade com mudanças: TEA ou TOC?

No autismo, a dificuldade em lidar com mudanças está ligada à necessidade de previsibilidade, controle e segurança. Mudanças inesperadas podem gerar ansiedade por romper com padrões estruturados que ajudam a pessoa autista a se organizar e sentir-se segura no mundo.

Já no TOC, a resistência à mudança pode estar relacionada à necessidade de realizar rituais ou evitar pensamentos obsessivos que causam desconforto. Nesse caso, o comportamento repetitivo não é apenas uma preferência por rotina, mas uma tentativa de aliviar uma angústia interna intensa e, muitas vezes, irracional.

Exemplos de como isso pode aparecer na prática:

  • TEA: a criança se recusa a usar um novo par de sapatos porque está acostumada com o antigo e sente desconforto com a mudança.

  • TOC: o adolescente se recusa a usar um novo par de sapatos porque acredita que, se não usar o mesmo de sempre, algo ruim vai acontecer com alguém da família.

Intensificação dos comportamentos repetitivos

Quando o TOC está presente, os comportamentos repetitivos vão além das estereotipias do TEA. Eles tendem a ser mais complexos, menos ligados à autorregulação sensorial e mais guiados por uma ansiedade intensa e difícil de controlar.

Pessoas com TEA e TOC podem apresentar:

  • Ritualização de tarefas simples (como lavar as mãos de forma repetitiva e demorada);

  • Repetição de frases ou perguntas com angústia real por trás da dúvida;

  • Checagens frequentes (como verificar inúmeras vezes se a porta está trancada);

  • Sofrimento visível se o ritual for interrompido ou impedido.

Essa intensificação interfere na funcionalidade e na qualidade de vida, tanto da pessoa autista quanto de sua família ou cuidadores.

Quando buscar ajuda especializada

Nem toda resistência à mudança ou comportamento repetitivo em pessoas autistas indica a presença de TOC. No entanto, alguns sinais devem servir de alerta:

  • Sofrimento visível diante da impossibilidade de realizar um ritual;

  • Pensamentos obsessivos que causam medo ou culpa;

  • Rituais que consomem muito tempo e interferem na rotina;

  • Dificuldade em se adaptar a novas situações mesmo com apoio e preparação;

  • Irritabilidade ou crises intensas diante de pequenas alterações na rotina.

Nesses casos, é fundamental buscar avaliação de um(a) profissional de saúde mental com experiência em autismo e TOC. O tratamento pode incluir terapia cognitivo-comportamental adaptada ao perfil da pessoa autista, uso de medicação (como ISRS), psicoeducação e apoio à família.

Conclusão

Entender a diferença entre a rigidez típica do autismo e os comportamentos compulsivos do TOC é um passo importante para oferecer o apoio certo. Quando as dificuldades com mudanças e os comportamentos repetitivos se tornam fonte de sofrimento ou prejuízo funcional, é hora de olhar com atenção para a possibilidade de uma comorbidade.

A boa notícia é que, com o diagnóstico correto e intervenções adequadas, é possível melhorar a qualidade de vida e promover mais autonomia para a pessoa autista com TOC.

Referências bibliográficas

  1. American Psychiatric Association. (2013). DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed.).

  2. Russell, A. J., Mataix-Cols, D., Anson, M., & Murphy, D. G. (2005). Obsessions and compulsions in Asperger syndrome and high-functioning autism. The British Journal of Psychiatry, 186(6), 525–528.

  3. Van Ameringen, M., Patterson, B., & Simpson, W. (2014). DSM-5 obsessive-compulsive and related disorders: clinical implications of new criteria. Depression and Anxiety, 31(6), 487–493.

  4. Zandt, F., Prior, M., & Kyrios, M. (2007). Repetitive behaviour in children with high functioning autism and obsessive compulsive disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37(2), 251–259.

  5. Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). (2021). Diretrizes Clínicas para o TOC. Disponível em: https://www.abp.org.br/

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