As habilidades motoras finas e grossas são essenciais para a independência e a participação em atividades do dia a dia. No autismo, é comum que essas habilidades apresentem disfunções, interferindo na comunicação, socialização e autonomia. Entenda os sinais, causas e formas de intervenção.
As habilidades motoras fazem parte do desenvolvimento natural de todas as pessoas e envolvem a capacidade de realizar movimentos com precisão, força e coordenação. Elas são divididas em duas categorias: fina, relacionada a movimentos delicados e detalhados (como escrever ou abotoar uma camisa), e grossa, ligada a movimentos maiores e do corpo todo (como correr ou pular).
Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) frequentemente apresentam desafios nessas áreas, o que pode afetar desde a escrita até a participação em brincadeiras e tarefas escolares. Esses desafios não são universais, mas estudos mostram que entre 50% a 80% das pessoas autistas têm algum grau de dificuldade motora (Bhat et al., 2011; Fournier et al., 2010). Reconhecer esses sinais é fundamental para oferecer o suporte adequado.
O que são habilidades motoras finas e grossas?
Habilidades Motoras Grossas
As habilidades motoras grossas envolvem os músculos maiores do corpo e são responsáveis pelos grandes movimentos corporais. Elas permitem que a criança:
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Sente-se com postura adequada;
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Ande, corra, pule, escale;
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Jogue bola, suba escadas, mantenha o equilíbrio;
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Participe de jogos e esportes com outras crianças.
O desenvolvimento dessas habilidades começa cedo, nos primeiros meses de vida, com movimentos como rolar, sentar, engatinhar e andar.
Habilidades Motoras Finas
As habilidades motoras finas envolvem os músculos menores das mãos, dedos e punhos. São fundamentais para atividades como:
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Segurar e usar lápis ou talheres;
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Cortar com tesoura;
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Abotoar ou amarrar cadarços;
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Manusear objetos pequenos ou brinquedos de encaixe.
Essas habilidades exigem não só controle muscular, mas também planejamento motor, coordenação olho-mão e integração sensorial.
Como as habilidades motoras podem estar disfuncionais no autismo?
No autismo, dificuldades motoras podem se manifestar de diferentes formas e com intensidades variadas. Entre os principais sinais de disfunção estão:
Nas habilidades motoras grossas:
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Atraso para engatinhar, andar ou correr;
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Dificuldade para pular com os dois pés ou subir escadas;
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Postura inadequada ao sentar por longos períodos;
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Problemas de equilíbrio e coordenação geral;
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Evitação de atividades físicas em grupo.
Nas habilidades motoras finas:
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Segurar lápis com força ou de forma desajeitada;
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Letra irregular ou muito lenta ao escrever;
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Dificuldade para recortar, montar brinquedos ou vestir-se;
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Evitar tarefas que exigem precisão manual;
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Uso de força inadequada (muito fraca ou muito forte).
Essas dificuldades impactam a autonomia, o desempenho escolar, a autoestima e a inclusão social.
Quais são as causas dessas dificuldades?
A causa não é muscular, mas neurológica e sensorial. A criança pode ter força normal, mas apresenta dificuldade no planejamento e execução do movimento, processo conhecido como praxis.
Além disso, muitos autistas apresentam disfunção sensorial, o que interfere na forma como percebem e reagem ao toque, ao movimento e à posição do corpo no espaço (propriocepção). Isso pode gerar confusão corporal, movimentos desajeitados ou até evitamento de certas atividades.
Diagnóstico e avaliação
É comum que essas dificuldades não sejam reconhecidas no diagnóstico inicial do TEA, especialmente em casos de autismo leve (nível 1 de suporte). No entanto, elas podem ser identificadas por meio de avaliações específicas com:
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Terapeuta Ocupacional – com foco em motricidade fina, integração sensorial e planejamento motor;
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Fisioterapeuta – para análise da coordenação, equilíbrio e controle postural;
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Fonoaudiólogo – no caso de dificuldades de fala ligadas à motricidade orofacial.
Ferramentas como o MABC-2 (Movement Assessment Battery for Children), o BOT-2 (Bruininks-Oseretsky Test of Motor Proficiency) e questionários como o DCDQ (Developmental Coordination Disorder Questionnaire) são comumente usados.
Como intervir?
1. Terapia Ocupacional
Atua no fortalecimento das habilidades motoras finas, melhora da coordenação olho-mão e incentivo à independência nas atividades da vida diária (AVDs).
2. Fisioterapia
Trabalha o tônus muscular, o equilíbrio, a marcha e a participação segura em atividades físicas.
3. Intervenção precoce
Quanto mais cedo o apoio for iniciado, melhor a resposta da criança. Programas de intervenção precoce costumam incluir atividades lúdicas com foco na estimulação motora.
4. Adaptações escolares
O uso de lápis mais grossos, prendedores, tempo extra para provas e atividades em computador pode facilitar o desempenho escolar.
5. Atividades em casa
Brincadeiras simples como massinha, encaixe, pintura, jogos de equilíbrio e circuitos motores ajudam a desenvolver essas habilidades com prazer e sem pressão.
Como apoiar a criança no dia a dia?
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Incentive atividades motoras com paciência e sem comparação;
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Dê instruções simples e repita com calma;
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Estimule a criança com brincadeiras que envolvam movimento e toque;
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Valorize os pequenos progressos;
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Busque suporte profissional sempre que houver sinal de atraso ou dificuldade.
Conclusão
As habilidades motoras finas e grossas são fundamentais para o desenvolvimento da independência e da participação ativa no cotidiano. No autismo, disfunções motoras são comuns e devem ser reconhecidas como parte importante do perfil neurológico. Com o suporte adequado, é possível promover avanços significativos na coordenação, na comunicação e na autoestima. O papel da família, da escola e dos profissionais é essencial para garantir esse progresso.
Referências Bibliográficas
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Bhat, A. N., Landa, R. J., & Galloway, J. C. (2011). Current perspectives on motor functioning in infants, children, and adults with autism spectrum disorders. Physical Therapy.
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Fournier, K. A., Hass, C. J., Naik, S. K., Lodha, N., & Cauraugh, J. H. (2010). Motor coordination in autism spectrum disorders: A synthesis and meta-analysis. Journal of Autism and Developmental Disorders.
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American Occupational Therapy Association (AOTA). Understanding Motor Challenges in Autism.
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DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
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Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF).
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Blank, R. et al. (2019). EACD recommendations on diagnosis and intervention of developmental coordination disorder (DCD).
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NeuroSaber. Motricidade no TEA: o que observar?