Infância de meninas autistas: sinais precoces que costumam passar despercebidos

Os sinais de autismo em meninas costumam ser mais sutis e socialmente camuflados, o que leva ao subdiagnóstico ou diagnóstico tardio. Este post orienta pais, mães e educadores sobre sinais precoces do autismo em meninas, destacando a importância de reconhecer e apoiar desde cedo para garantir qualidade de vida e desenvolvimento saudável.

Durante décadas, o autismo foi descrito e diagnosticado com base no comportamento de meninos. Como resultado, muitas meninas no espectro passaram despercebidas ou foram diagnosticadas apenas na vida adulta. Isso ocorre porque o autismo em meninas se manifesta de maneira diferente, mais silenciosa, adaptativa e socialmente camuflada.

Pais e professores, em geral, estão mais atentos a sinais clássicos — como atraso na fala, isolamento social evidente e comportamentos repetitivos intensos —, mas meninas autistas podem apresentar sinais muito mais sutis, especialmente na infância. Reconhecê-los precocemente é essencial para garantir apoio adequado, prevenção de comorbidades e acolhimento emocional.

1. O que torna o autismo em meninas diferente?

O cérebro feminino, influenciado por fatores biológicos, hormonais e sociais, desenvolve estratégias de compensação desde cedo. Muitas meninas autistas:

  • Observam e imitam colegas para se “encaixar”;

  • Desenvolvem linguagem verbal dentro do tempo esperado;

  • São vistas como “tímidas”, “sensíveis” ou “boazinhas”;

  • Têm interesses intensos, porém socialmente aceitos (ex: animais, princesas, leitura).

Esses fatores fazem com que seus sinais de autismo se camuflem dentro do que a sociedade considera comportamentos “femininos normais”.

2. Sinais precoces de autismo em meninas que costumam ser ignorados

Comunicação e linguagem:

  • Fala desenvolvida, mas com dificuldade para manter conversas recíprocas;

  • Uso literal da linguagem ou dificuldade com ironias;

  • Discurso muito adulto para a idade (hiperverbalização) ou, ao contrário, muito introspectivo;

  • Ecolalia (repetição de frases ou falas de filmes) mais discreta.

Interações sociais:

  • Preferência por brincar com uma única criança ou sozinha;

  • Dificuldade em formar amizades duradouras;

  • Tendência a “seguir” o grupo, mas não liderar ou se envolver de fato;

  • Sofrimento com rejeição ou mudanças de dinâmica social.

Interesses e comportamentos:

  • Foco intenso em temas específicos (ex: dinossauros, astrologia, personagens);

  • Necessidade de rotina previsível e angústia com mudanças;

  • Movimentos repetitivos mais sutis (mexer o cabelo, balançar objetos pequenos);

  • Hipersensibilidade sensorial a barulhos, etiquetas, cheiros ou texturas.

Aspectos emocionais:

  • Crises frequentes em casa, mas comportamento “exemplar” na escola;

  • Ansiedade precoce, medo intenso de errar ou de ser julgada;

  • Sinais de burnout infantil (cansaço extremo, choro silencioso, isolamento);

  • Dificuldade em expressar emoções ou entender as dos outros (alexitimia).

3. Por que o diagnóstico é tão difícil em meninas?

Existem diversos fatores que dificultam o diagnóstico precoce do autismo em meninas:

  • Vieses de gênero nos critérios diagnósticos, ainda baseados em comportamentos masculinos;

  • Pressão social para se adaptar, o que incentiva o masking (camuflagem social);

  • Expectativas culturais de que meninas sejam mais quietas, sensíveis e comportadas;

  • Confusão com outros diagnósticos, como TDAH, ansiedade, fobia social ou até superdotação.

Muitas meninas só recebem o diagnóstico após episódios de colapso emocional, queda no desempenho escolar ou diagnóstico prévio de comorbidades como depressão, TOC ou distúrbios alimentares.

A escola é um ambiente-chave para observar sinais precoces. Professores e cuidadores podem colaborar com:

  • Registros sobre comportamento social, interação e linguagem;

  • Observação de rotinas, reações a mudanças e comportamentos repetitivos;

  • Relatos das próprias crianças sobre como se sentem (quando possível);

  • Comunicação aberta com as famílias sobre comportamentos notados em sala.

Já os familiares devem observar:

  • Mudanças súbitas de comportamento em casa;

  • Preferência por brincar com regras fixas;

  • Dificuldade em verbalizar frustrações;

  • Resistência intensa a mudanças simples na rotina.

5. Como garantir apoio precoce e humanizado

Um diagnóstico precoce pode transformar a trajetória de vida de uma menina autista. Com acolhimento e estratégias adequadas, ela pode:

  • Desenvolver habilidades sociais com segurança;

  • Ser protegida contra bullying e exclusão;

  • Reduzir o risco de depressão e crises de identidade na adolescência;

  • Aprender a se aceitar desde cedo, sem precisar “atuar” para ser amada.

Para isso, é fundamental:

  • Buscar profissionais com experiência em autismo feminino;

  • Exigir avaliação sensível ao gênero e ao contexto da criança;

  • Acompanhar com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos com abordagem neuroafirmativa;

  • Construir redes de apoio entre famílias e escolas.

Conclusão

O autismo em meninas existe — mesmo quando não parece. Os sinais estão lá, mas muitas vezes são confundidos com timidez, sensibilidade ou perfeccionismo. Quanto mais cedo forem reconhecidos, mais cedo essa criança poderá receber acolhimento, estratégias personalizadas e, acima de tudo, ser respeitada em sua forma única de existir.

Referências bibliográficas

  1. Mandy, W., & Lai, M. C. (2016). Annual Research Review: The role of the gender in the presentation and assessment of autism spectrum disorder. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 57(3), 328–344.

  2. Hull, L., Petrides, K. V., Allison, C., Smith, P., Baron-Cohen, S., Lai, M.-C., & Mandy, W. (2017). Gender differences in self-reported camouflaging in autistic and non-autistic adults. Autism, 21(6), 819–829.

  3. Gould, J., & Ashton-Smith, J. (2011). Missed diagnosis or misdiagnosis? Girls and women on the autism spectrum. Good Autism Practice, 12(1), 34–41.

  4. Attwood, T. (2007). The Complete Guide to Asperger’s Syndrome. Jessica Kingsley Publishers.

  5. Rede Nacional de Cuidados em TEA. (2024). Diagnóstico Precoce do Autismo em Meninas: orientações para profissionais de saúde e educação.

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