Receber um diagnóstico de autismo na vida adulta pode ser transformador — mas também gera dúvidas, medo e libertação. Neste post, exploramos o impacto emocional do pós-diagnóstico, como ele afeta a identidade, o cotidiano e os direitos da pessoa autista.
Muitos adultos autistas passaram décadas se sentindo deslocados, cansados por tentar se encaixar e confusos com suas dificuldades. Quando finalmente recebem o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), especialmente no nível 1 suporte, não raro a sensação é ambígua: alívio, luto, surpresa, raiva, libertação — tudo junto.
Esse momento marca o início de um novo caminho. Mas afinal, o que muda após o diagnóstico de TEA na vida adulta? A resposta envolve emoções, identidade, rotinas e também direitos legais. Vamos explorar os principais aspectos dessa jornada de redescoberta e adaptação.
1. A montanha-russa emocional do pós-diagnóstico
Receber o diagnóstico pode parecer, para alguns, como um reencontro com a própria história. Para outros, é o começo de um processo de luto pelo que poderia ter sido se tivessem sido compreendidos antes.
Emoções comuns relatadas:
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Alívio: “Agora tudo faz sentido.”
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Tristeza ou raiva: pelo tempo perdido, pelos diagnósticos errados ou pela negligência de familiares e profissionais.
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Vergonha ou dúvida: internalizadas por anos de estigmas e julgamentos sociais.
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Esperança: de finalmente viver com mais autenticidade e menos culpa.
Esse processo emocional é natural. É como reescrever o próprio passado sob uma nova lente, acolhendo as experiências que antes pareciam desconexas.
2. Reorganização da identidade pessoal
O diagnóstico tardio de autismo muitas vezes desconstrói a identidade construída ao longo da vida. Aquela imagem de si como “estranho”, “tímido demais”, “intenso” ou “desligado” dá lugar à compreensão de um funcionamento neurodivergente.
Essa reorganização envolve:
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Aceitar que certos comportamentos não são falhas, mas características neurológicas;
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Rever relações e situações passadas sob o novo olhar;
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Reavaliar suas prioridades e seu modo de viver;
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Reduzir a autocrítica e reconhecer suas necessidades reais.
Muitos adultos relatam que, após o diagnóstico, passam por uma fase de reconstrução da autoestima e reaproximação da própria essência — especialmente aqueles que passaram a vida “camuflando” seus traços.
3. Novas formas de autocuidado e adaptação da rotina
Uma das mudanças mais positivas após o diagnóstico é a possibilidade de se cuidar com mais gentileza e assertividade. Com o autoconhecimento, vêm também novas práticas de autocuidado:
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Estabelecimento de rotinas previsíveis;
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Redução de sobrecargas sensoriais (ex: luz, som, toque);
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Organização do tempo com pausas e períodos de silêncio;
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Planejamento de tarefas para evitar disfunção executiva;
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Limitação de interações sociais exaustivas.
Essas adaptações não são “luxos”, mas necessidades legítimas. Elas contribuem diretamente para o bem-estar emocional e físico do autista adulto.
4. Busca por pertencimento e comunidades autistas
Após o diagnóstico, muitos adultos autistas se sentem sozinhos ou incompreendidos em seus círculos antigos. Por isso, buscam conexão em comunidades autistas — espaços de escuta, acolhimento e identificação mútua.
Benefícios desses espaços:
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Sentimento de pertencimento;
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Troca de estratégias de sobrevivência e autocuidado;
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Validação de vivências e emoções;
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Compartilhamento de conteúdos informativos e ativismo neurodivergente.
No Brasil, existem redes como o projeto A Fala Autista, grupos em redes sociais, fóruns e podcasts feitos por autistas para autistas. Nesses espaços, o diagnóstico deixa de ser rótulo e passa a ser ponte para a compreensão e aceitação.
5. Benefícios práticos: laudo, direitos e acessos
O diagnóstico formal, especialmente quando emitido por profissional com experiência em TEA, abre portas legais e práticas. Alguns dos principais direitos são:
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Isenção de Imposto de Renda sobre aposentadoria e pensão (Lei 7.713/88);
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Prioridade no atendimento em serviços públicos e privados (Lei 12.764/2012);
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Acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) em casos de vulnerabilidade socioeconômica;
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Cotas em concursos públicos e vestibulares (Lei 8.112/90 e Lei 12.711/12);
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Apoio na universidade ou no trabalho com adaptações razoáveis.
É importante ter um laudo atualizado com CID F84.0 (autismo infantil), F84.5 (Síndrome de Asperger) ou F84.9 (sem especificação), e procurar serviços de assistência social ou jurídica para garantir os acessos.
Conclusão
Receber o diagnóstico de autismo na vida adulta é muito mais do que receber um papel. É dar nome àquilo que sempre existiu, é aprender a se cuidar com verdade, é deixar de se desculpar por ser quem se é.
Embora a caminhada pós-diagnóstico seja cheia de altos e baixos, ela também é um processo de reconstrução e empoderamento. O autismo não começa no diagnóstico — mas a compreensão, sim. E ela transforma tudo.
Referências bibliográficas
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Milton, D. “The ‘Double Empathy Problem’”. Disability & Society, 2012.
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Hull, L. et al. “Social camouflaging in adults with autism”. Journal of Autism and Developmental Disorders, 2017.
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Attwood, T. The Complete Guide to Asperger’s Syndrome. Jessica Kingsley Publishers, 2006.
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Rede Athenas – Saúde Mental e Autismo. https://redeathenas.com.br
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Projeto A Fala Autista. https://afalaautista.com.br
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Revista Autismo. https://www.revistaautismo.com.br
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Brasil. Lei nº 12.764/2012 – Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
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Brasil. Lei nº 7.713/1988 – Isenção de IR para pessoas com deficiência.