Estudos recentes indicam que a alimentação pode impactar diretamente o comportamento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Desequilíbrios nutricionais, hipersensibilidades alimentares e a qualidade da dieta podem influenciar o humor, a atenção, o sono e a regulação emocional. Entenda como esses fatores se conectam e quais abordagens podem fazer diferença.
Cuidar da alimentação de uma pessoa autista vai muito além de garantir calorias e nutrientes suficientes. Muitos pais, cuidadores e profissionais têm observado mudanças significativas no comportamento de crianças com TEA após ajustes na dieta. Mas até que ponto a alimentação interfere no comportamento? Essa conexão tem respaldo científico? E quais cuidados devem ser tomados?
O presente post reúne dados atualizados e evidências que ajudam a esclarecer a relação entre dieta e comportamento no autismo, além de oferecer orientações práticas baseadas em estudos e na experiência clínica de profissionais especializados.
Como a alimentação afeta o comportamento?
O cérebro e o sistema digestivo estão intimamente conectados por meio do chamado eixo intestino-cérebro. Isso significa que tudo o que ingerimos pode influenciar diretamente nossas funções cognitivas e emocionais. No caso do autismo, essa ligação se torna ainda mais evidente, uma vez que muitos autistas apresentam alterações no funcionamento intestinal, sensibilidades alimentares e desequilíbrios na microbiota.
Principais aspectos da relação entre alimentação e comportamento no TEA
- Sensibilidades e intolerâncias alimentares: Algumas crianças com TEA são sensíveis a componentes como glúten, caseína, corantes artificiais e conservantes. Quando consumidos, esses alimentos podem desencadear inflamações, desconfortos gastrointestinais e alterações comportamentais, como irritabilidade, hiperatividade ou letargia.
- Microbiota intestinal desequilibrada: Estudos demonstram que muitos autistas apresentam disbiose intestinal — um desequilíbrio na população de bactérias benéficas no intestino. Essa condição pode afetar diretamente o humor, o sono e o controle emocional, pois parte da produção de neurotransmissores como a serotonina acontece no intestino.
- Déficits nutricionais: Carência de vitaminas e minerais como ferro, zinco, magnésio, vitamina B6 e ômega-3 pode contribuir para aumento da irritabilidade, dificuldade de concentração, agitação motora e problemas de sono. A seletividade alimentar típica do autismo é um dos principais fatores que levam a essas deficiências.
- Efeitos de dietas específicas: A dieta sem glúten e sem caseína (SGSC), já abordada em outro post, tem sido apontada por alguns estudos e relatos clínicos como uma possível aliada na redução de sintomas comportamentais em crianças com TEA. O mesmo vale para dietas com foco anti-inflamatório, ricas em frutas, vegetais, grãos integrais e gorduras saudáveis.
- Regulação do açúcar no sangue: Dietas com excesso de açúcar refinado e carboidratos simples podem provocar picos de glicemia seguidos de queda brusca, o que pode gerar irritabilidade, agressividade e dificuldades de autorregulação.
Comportamentos que podem estar relacionados à alimentação
- Agressividade ou crises de birra sem causa aparente;
- Hiperatividade ou apatia excessiva;
- Alterações no sono;
- Falta de atenção e dificuldade de aprendizagem;
- Comportamentos autoestimulatórios exacerbados após refeições específicas;
- Desconfortos gastrointestinais, como distensão abdominal, constipação ou diarreia.
Como investigar essa relação?
- Anamnese nutricional detalhada: deve considerar histórico alimentar, comportamentos após refeições e preferências/sensibilidades.
- Registro alimentar e comportamental: anotar alimentos ingeridos e mudanças de humor/comportamento no período seguinte pode revelar padrões importantes.
- Avaliação com nutricionista especializado em TEA: para identificar déficits nutricionais, propor suplementação ou ajustes na dieta.
- Testes laboratoriais (quando indicados): para investigar alergias, intolerâncias, disbiose ou carências nutricionais.
Dicas práticas para famílias
- Evite alimentos ultraprocessados e corantes artificiais;
- Ofereça alimentos naturais ricos em fibras e antioxidantes;
- Faça transições alimentares de forma gradual, com apoio terapêutico se necessário;
- Crie um ambiente calmo e estruturado para as refeições;
- Valorize cada pequena evolução na aceitação de novos alimentos.
Conclusão
Embora nem todo comportamento autista esteja ligado à alimentação, é cada vez mais evidente que o que se come pode interferir significativamente na forma como a pessoa sente, reage e interage com o mundo. Identificar sensibilidades, corrigir deficiências nutricionais e promover uma dieta equilibrada são passos importantes para melhorar o bem-estar e o desenvolvimento global de pessoas com TEA.
O apoio de profissionais especializados e o olhar atento da família são fundamentais para entender e cuidar dessa conexão. Alimentação é cuidado. E, no autismo, pode ser também transformação.
Referências bibliográficas
- CRAMER, S. et al. Gut microbiota and behavior in children with autism spectrum disorder: a systematic review.Gut Microbes, 2022.
- BANDINI, L. G. et al. Food selectivity in children with autism spectrum disorders. The Journal of Pediatrics, 2010.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. 2023.
- PELSER, J. J. et al. Effects of a restricted elimination diet on the behavior of children with attention-deficit hyperactivity disorder. The Lancet, 2011.