Neste artigo, o Dr. Pablo esclarece como o canabidiol (CBD) vem sendo utilizado de forma complementar ou até substitutiva no tratamento de pessoas com autismo. Os resultados clínicos incluem melhora da comunicação, redução de agitação e ganho de autonomia. Com estudos robustos, o uso do CBD requer orientação médica, análise cuidadosa da formulação e monitoramento contínuo.
Dr. Pablo, como o canabidiol começou a ser estudado e utilizado no contexto do Transtorno do Espectro Autista (TEA)?
Diversos estudos indicam envolvimento do SEC (Sistema Endocanabinoide) na etiopatologia do TEA, estando ele hipofuncionante dentro deste espectro. Em 2006, Chakrabarti B. em seu estudo mostrou variações genéticas no gene CB1 relacionando com o funcionamento do TEA. Desde então somente em 2019 foram publicados estudos clínicos robustos que avaliaram as propriedades terapêuticas dos fitocanabinoides dentro deste espectro.
O uso do canabidiol (CBD) em pessoas autistas tem sido cada vez mais comentado. O que explica esse interesse crescente por essa alternativa terapêutica?
Certamente este interesse está relacionado com uma resposta notória e talvez revolucionária neste tipo de tratamento. Vale lembrar que em alguns órgãos regulatórios como o FDA nos EUA os únicos medicamentos aprovados são aripiprazol e risperidona (antipsicóticos) para o tratamento da agressividade e melatonina para melhora no padrão de sono. Nos demais déficits encontrados no TEA ainda não há nenhuma medicação estabelecida ou padronizada. Considerando os múltiplos benefícios do uso de canabinoides temos uma opção que apresenta muitas vantagens em relação aos medicamentos alopáticos que vem sendo usado comumente até então.
Em quais situações o CBD costuma ser indicado para pacientes com autismo? Ele atua diretamente nos sintomas do TEA ou é mais eficaz no tratamento de questões associadas, como ansiedade, agitação, insônia ou irritabilidade?
O CBD, além de outros fitocanabinoides, que podem ser usados isolados ou em conjunto, pode ser indicado para qualquer pessoa com autismo, independente de seu nível de suporte ou peculiaridades individuais atuando tanto nos sintomas do TEA quanto nos sintomas associados como os que você citou. Na minha prática clínica sempre que lido com este espectro não deixo de mencionar esta possiblidade. Não posso deixar de mencionar que quanto maior o nível de suporte necessário mais evidente é a melhora.
Que tipo de melhora é possível observar nos pacientes que respondem bem ao uso do canabidiol?
Nos mais de 200 pacientes que já acompanhei, e conforme relatei anteriormente, em pacientes mais graves e dependendo das comorbidades associadas (além de TDAH sendo esta a mais comum) observa-se comumente melhora na fala, na dicção, na psicoagitação, estereotipias, maior tolerância a ruídos e ambientes estressantes como locais com aglomerações de pessoas, excesso de informação não só auditiva mas também visual. Já vi crianças não verbais se tornarem verbais ao longo de poucos meses, começarem a falar palavras e depois frases. É um ganho imenso. Claro que isso tudo em associação com terapias multidisciplinares e bom treinamento dos pais, estendendo assim a terapêutica para o ambiente doméstico. Em pacientes com menor nível de suporte é comum perceber não só melhora no padrão de sono mas também no entendimento de situações cotidianas que muitas vezes passavam desapercebidas. Acredito que, o que nestes casos é mais notório é a melhor tolerância ao estresse. Uma vez mais calmos a performance em qualquer tarefa tende a melhorar.
Existem diferentes tipos ou formulações de canabidiol. Como o médico escolhe qual é mais adequado para cada paciente?
Sim há diferentes tipos de abordagens farmacológicas. Essencialmente 3 tipos: Full Spectrum – onde se encontra a maioria dos compostos naturais da planta, como CBD, THC, terpenos, flavonoides e outros canabinoides. Broad Spectrum – neste o THC não está presente, preservando todos os demais componentes, e o CBD isolado – havendo este como único componente da planta. A escolha é bem peculiar para cada paciente e deve-se considerar não só o próprio quadro clínico individual, mas também o histórico familiar para transtornos mentais. O uso de THC, mesmo em baixas doses pode ocasionar piora do quadro e até mesmo condições psicopatológicas como síndrome psicótica que o paciente não apresentava previamente. Assim sendo uma análise meticulosa é essencial para cada indivíduo.
É possível encontrar canabidiol de uso seguro no Brasil? O que os pais devem observar ao buscar esse tratamento?
Sim, já há em farmácias comuns óleos de cannabis de várias procedências e particularmente não desencorajo o uso de nenhuma delas. Neste aspecto a ANVISA é bem criteriosa, mas eventualmente a resposta pode variar de uma pessoa para outra. É fundamental seguir a prescrição médica que dentro da experiência de cada um vai nortear para um fabricante ou outro. Os que temos no Brasil são de boa qualidade (nacionalizados) além de termos também ótimas opções de óleos artesanais oriundos de associações estando estas em número cada vez mais crescentes, mas nem todas com um controle rigoroso dos componentes. Uma análise de cada lote é fundamental para garantir sua qualidade. Um teste muito usado é o espectômetro de luz, onde sua aplicação pode ser feita aqui e muitas vezes a análise é feita em outros países como nos EUA e Israel.
O canabidiol pode substituir outros medicamentos? Ou ele geralmente é usado de forma complementar?
Sim, pode substituir outros medicamentos. Mas isso não é uma regra e vai da peculiaridade, das comorbidades de cada paciente. Já vi muitas vezes pessoas em uso de 6 a 8 medicamentos diferentes e com o tempo ir eliminando um por um e ficar exclusivamente com fitocanabinoides. Sempre procuro, quando já em uso de outros fármacos, usar de forma associada e aos poucos, dependendo da resposta de cada um, ir reduzindo ao máximo os demais e tentando ficar somente com o mínimo necessário. Vale salientar que muitos dos medicamentos usados tem efeitos colaterais, implicações metabólicas que podem acarretar prejuízos a longo prazo, como ganho de peso, dislipidemia, entre outros.
Quais são os principais cuidados e precauções antes de iniciar o uso do canabidiol?
Algumas condições prévias, comorbidades e uso de alguns medicamentos tendem a fazer com que se dê preferência para tipos específicos de óleos. Há interação destes extratos com fármacos que precisam de cuidados específicos. O uso também tende a ser bem cauteloso, iniciando com baixas doses e aumentando gradualmente, observando a resposta de cada paciente. Infelizmente não há padronização de dose então o olhar do médico deve ser meticuloso.
Há efeitos colaterais comuns ou riscos associados ao uso do CBD em pessoas autistas?
Infelizmente há efeitos adversos sim em algumas pessoas, principalmente relacionado a presença de THC nas formulações. Como citado anteriormente a maior atenção deve ser ao risco de desenvolvimento de quadro psicótico. Porém, quando isso acontece, na imensa maioria das vezes, é remitido ou revertido com a interrupção do óleo.
Ainda existem muitos mitos e promessas milagrosas em torno do canabidiol. O que o senhor gostaria de esclarecer para as famílias que estão em dúvida?
De fato há muitos mitos, medos e desinformação ainda. Como muitas indústrias, há também no meio canábico,. formulações que prometem efeitos sem nenhum fundamento. Deve-se ter muito cuidado com a procedência deste tipo de material, verificar selos de qualidade, análise laboratorial dos componentes que estão sendo vendidos assim como condições de armazenamento. Já ouvi de pessoas que considerava sérias promessas de efeitos ainda não estudados. Na dúvida sempre consulte um especialista.
Como o senhor vê o futuro do canabidiol no tratamento de pessoas com TEA?
Este futuro já está acontecendo. O uso de fitocanabinoides veio para ficar e já ficou. Os múltiplos benefícios em vários aspectos da vida de uma pessoa com TEA, em crianças particularmente, a melhora notória no desenvolvimento de habilidades acadêmicas, sociais, na autonomia e independência pode ser fantástico. Mesmo em pessoas com suporte mínimo pode ter bom potencial desde que usado corretamente.
Que mensagem deixaria para os que estão pensando em iniciar esse tipo de tratamento?
Incentivo muito este tipo de tratamento que é completamente diferente dos demais que vínhamos instituindo até há poucos anos. Sabidamente há estudos robustos que corroboram a eficácia principalmente no espectro autista e na epilepsia, porém em outras condições de saúde seu uso tem ganhado cada vez mais espaço e em breve estou certo que fará parte do cotidiano de muitos de nós.
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