Nesta entrevista, a psicóloga Ana Paula Mendes de Souza explica como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode ajudar pessoas autistas a desenvolverem habilidades sociais, autonomia e regulação emocional. Saiba como essa abordagem adaptada ao TEA promove qualidade de vida e bem-estar.
Como a TCC pode ajudar pessoas com TEA? Há adaptação específica para o autismo?
Ajuda a identificar padrões de pensamentos, emoções e comportamentos que estejam disfuncionais e a compreender de que forma elas se inter-relacionam, buscando estratégias que promovam uma maior flexibilidade cognitiva. Exercita a reflexão e promove o autoconhecimento.
As técnicas são utilizadas de forma estratégica, adaptadas para atender as demandas específicas do indivíduo no espectro.
Quais os principais objetivos da TCC no tratamento de pessoas com autismo?
Psicoeducação sobre o transtorno.
Promover reflexão e autoconhecimento, estimular o desenvolvimento cognitivo. Promover comportamentos mais adaptativos e funcionais.
Regulação emocional, gerenciar reconhecer e identificar as emoções, manejo da raiva da impulsividade e irritabilidade.
Auxilia no manejo e redução da ansiedade e depressão.
Desenvolve repertório das habilidades sociais.
Ganho na autonomia (resolução de problemas e conflitos, tomada de decisão). Promove qualidade de vida e bem estar.
É comum que pessoas autistas tenham dificuldades com emoções intensas ou pensamentos repetitivos. Como a TCC atua nesses casos?
Sim é comum, pode acontecer em diversas situações como por exemplo, dificuldade em gerenciar, identificar e expressar as emoções e comportamentos.
Interpretar as emoções dos outros pode ser um desafio, o que pode gerar agressividade, crises e comportamentos desadaptativos e disruptivos. Podem adotar comportamentos repetitivos para autorregulação.
Nesses casos a TCC auxilia no desenvolvimento da regulação emocional, busca nomear expressar e identificar as emoções, também se faz necessário manter uma rotina estruturada e previsível.
Existem diferenças no uso da TCC com crianças, adolescentes e adultos autistas?
Existem semelhanças, a TCC apresenta uma abordagem diretiva, estruturada e focada no presente. Mas tem objetivos distintos e devem ser avaliadas particularmente, levando em consideração o contexto que o indivíduo está inserido. Algumas técnicas empregadas exigem um grau de maturação cognitiva.
Em casos que envolvem crianças e adolescentes ,o trabalho em conjunto com os os pais é parte inerente do tratamento. Quando apresenta deficiência intelectual envolvida o foco maior será na ativação comportamental e uso da linguagem não verbal. Atividades lúdicas são empregadas como jogos e brincadeiras, tendo como objetivo trabalhar e desenvolver as funções cognitivas; como pensamento, memória, atenção, linguagem, funções executivas, raciocínio, percepção, tomada de decisão. Essas funções bem desenvolvidas são primordiais para as relações sociais, pedagógicas e ganho de habilidades.
No adulto, pelo próprio desenvolvimento e maturação cognitiva o foco maior é promover a reestruturação cognitiva, regulação emocional, comportamental e ganho da autonomia.
Como a TCC pode ajudar adolescentes autistas especialmente em relação à autoestima e convívio social?
A TCC surge como suporte importante e envolve desafios específicos dessa faixa etária, apresenta uma maior necessidade de pertencimento nas relações com os grupos, comparações com os pares e o sentimento de inadequação. Se estas questões não forem bem trabalhadas em terapia, podem desenvolver depressão e ansiedade. Trabalhar com foco no desenvolvimento e aprimoramento das habilidades sociais de comunicação e regulação emocional (controle da agressividade, impulsividade e frustração), irá impactar diretamente na autoestima e autonomia do indivíduo.
E no caso dos adultos autistas, quais demandas emocionais são mais frequentes e como a terapia atua?
Demandas emocionais relacionadas a dificuldade em gerenciar as emoções, lidar com a ansiedade, agressividade, baixa tolerância à frustração e dificuldade em expressar e reconhecer as próprias emoções e as dos outros. Todos estes desafios podem desencadear quadros de ansiedade e depressão.
A TCC irá atuar com objetivo de promover a regulação emocional, através de técnicas que permitam trabalhar o reconhecimento, avaliação e interpretação das emoções.
Muitas pessoas autistas também têm ansiedade e depressão ou TDAH. Como a TCC lida com este cenário?
Indivíduos com TEA, são propensos a desenvolverem ansiedade, depressão e TDAH. Parte destes resultados tem relação com as próprias dificuldades que envolvem o espectro, tais como dificuldade na comunicação, sensibilidade sensorial, dificuldade nas interações sociais, isolamento social, dificuldade em reconhecer e expressar emoções.
Dentro deste quadro, a TCC opera com foco na reestruturação cognitiva, mudança na interpretação dos pensamentos intrusivos, bem como no desenvolvimento de estratégias para promover a regulação emocional.
Quais são os maiores desafios nos atendimento psicológico de pessoas com TEA? Como você costuma superá-los?
Uma das dificuldades é quando tem comorbidade envolvida, o que não é incomum dentro do espectro. No entanto, muitos pacientes autistas também enfrentam quadros de ansiedade, depressão ou outras comorbidades que acabam não sendo tratados de forma adequada — seja por falta de diagnóstico correto ou por não terem acesso a uma equipe multidisciplinar. Em muitos casos, é essencial contar com o apoio de profissionais como psiquiatras, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais para garantir um cuidado mais completo e eficaz. Nestes casos, o primeiro passo é identificar essas queixas, psicoeducar sobre os transtornos e em seguida buscar alternativas viáveis dentro do contexto do indivíduo para que tenha acesso ao tratamento mais adequado. A terapia funciona também como um suporte mediador voltado para orientação.
Você poderia compartilhar alguma experiência marcante com pacientes autistas que mostraram evolução através da TCC?
Apresento o caso de uma cliente de 29 anos, chegou a terapia com queixa de déficit de atenção e ansiedade. Perdia com frequência as chaves de casa, tinha grande dificuldade em gerenciar o tempo, dizia com frequência, “Não queria ter nascido a vida é um peso” ou “Não consigo sentir saudades das pessoas”. No decorrer das sessões ficaram evidentes características marcantes do espectro autista.
Apresentava déficit nas interações sociais, rigidez cognitiva, dificuldade na comunicação expressiva, dificuldade em reconhecer e identificar as emoções, tinha hiperfoco no trabalho e nos estudos. Porém não conseguia gerenciar as outras áreas da vida, como por exemplo dar atenção à família, relacionamento e lazer. Achava que essas atividades eram perda de tempo que precisava aproveitar todo o tempo que tinha para produzir, senão fosse assim iria fracassar na vida e não seria uma boa profissional.
Estas crenças faziam com que passasse todo tempo que tinha trabalhando e estudando, o que desencadeou crises de ansiedade como tremores, palpitações e falta de ar. Também havia prejuízos no relacionamento afetivo, o parceiro queixava-se com frequência do distanciamento emocional.
No decorrer da terapia o foco foi voltado para flexibilização cognitiva dos pensamentos automáticos, mostrando de forma objetiva como seus pensamentos eram distorcidos, mostrei exemplos de situações de como seria se esses pensamentos fossem aplicados na prática. Ao refletir sobre, foi identificado como determinadas situações interagiam com seus pensamentos, emoções e comportamentos, bem como os prejuízos que causava na autonomia, qualidade de vida e no aumento da ansiedade.
Ao tomar consciência destes fatores, iniciou mudanças a nível comportamental, começou a organizar a agenda de trabalho estabelecendo limites de tempo, reservou horários para dedicar ao relacionamento, família e lazer. Em cada sessão íamos modulando e validando certos comportamentos.
Apesar da cliente ainda estar em tratamento, apresentou uma redução significativa da ansiedade, melhora no relacionamento afetivo e uma maior qualidade de vida. O ganho na autonomia foi algo bastante evidente, o que trouxe autoestima e um maior controle da própria vida.
Na sua opinião qual é o papel da família no sucesso do tratamento terapêutico com a família?
O papel da família é de suma importância, principalmente por ser ela que passa grande parte do tempo com a criança e adolescente, é uma parte que engloba o tratamento. Através da família que se dá o suporte tanto a nível emocional e social, bem como a garantia de que as habilidades aprendidas em consultório sejam emitidas em outros contextos.
Que mensagem você deixaria para autistas (ou seus familiares) que têm curiosidade ou dúvidas sobre iniciar uma psicoterapia com foco em TCC?
A TCC é uma das terapias psicológicas mais indicadas para o transtorno do Espectro Autista, apresenta resultados cientificamente comprovados a nível de eficiência. É eficiente justamente porque é possível adaptar as técnicas para as necessidades individuais de cada um, trabalha as emoções que são responsáveis por determinados comportamentos disfuncionais e desadaptativos.
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