A disfunção motora é uma comorbidade frequente no autismo e pode se manifestar como apraxia ou dispraxia, afetando diretamente o equilíbrio, a coordenação, a fala e a autonomia. Entenda os sinais, impactos no dia a dia e como apoiar pessoas autistas com essas dificuldades.
A disfunção motora no autismo é uma condição frequentemente negligenciada, mas que pode afetar significativamente a qualidade de vida de crianças, adolescentes e adultos autistas. Termos como apraxia e dispraxia são usados para descrever dificuldades na coordenação motora, planejamento e execução de movimentos, mesmo quando não há comprometimento muscular evidente. Esses desafios impactam desde a escrita e o vestir-se até a fala e a interação social, exigindo uma abordagem multidisciplinar para o diagnóstico e as intervenções.
O que é Disfunção Motora?
A disfunção motora é uma condição em que o cérebro tem dificuldade para planejar, coordenar e controlar os movimentos do corpo. Isso pode envolver tanto as habilidades motoras finas (como escrever ou abotoar uma camisa) quanto as grossas (como correr ou manter o equilíbrio).
No contexto do Transtorno do Espectro Autista (TEA), estudos mostram que mais de 80% das pessoas autistas apresentam algum grau de dificuldade motora (Fournier et al., 2010). Embora nem sempre seja formalmente diagnosticada, essa disfunção pode impactar significativamente a independência, a autoestima e a inclusão social da pessoa autista.
Apraxia e Dispraxia: Qual a Diferença?
Apraxia
A apraxia é um distúrbio neurológico no qual a pessoa tem dificuldade em realizar movimentos voluntários e coordenados, mesmo tendo força muscular e compreensão suficientes. Pode afetar várias áreas:
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Apraxia da fala infantil (Childhood Apraxia of Speech – CAS): dificuldade em planejar os movimentos necessários para falar.
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Apraxia motora: dificuldade em realizar movimentos intencionais, como usar utensílios ou vestir roupas.
Dispraxia
A dispraxia (ou Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação – TDC) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por dificuldades persistentes no planejamento e na execução de tarefas motoras. Ela é mais comum em crianças e pode persistir na vida adulta.
Pessoas com dispraxia podem:
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Cair com frequência;
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Ter dificuldade com esportes;
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Lutar para segurar lápis corretamente;
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Ter dificuldades com tarefas cotidianas como amarrar cadarços ou usar talheres.
Como Essas Condições Afetam Pessoas Autistas?
Pessoas no espectro podem apresentar sinais motores desde os primeiros anos de vida, como atraso para sentar, engatinhar ou andar. Esses sinais, muitas vezes, são minimizados por não serem considerados “típicos” do autismo, mas interferem diretamente no desenvolvimento da comunicação, da linguagem e da autonomia.
Os impactos incluem:
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Na fala: dificuldades com movimentos orais finos, articulando palavras com clareza.
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Na escrita: caligrafia irregular, cansaço ao escrever, dificuldade em segurar lápis ou caneta.
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Na alimentação: uso inadequado de utensílios, recusa alimentar por falta de coordenação ao mastigar ou engolir.
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Na socialização: restrição à participação em atividades em grupo, jogos ou esportes.
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Na autoestima: frustração constante por não conseguir realizar atividades que os pares conseguem com facilidade.
Diagnóstico e Avaliação
O diagnóstico dessas condições geralmente é feito por uma equipe multidisciplinar, envolvendo:
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Neurologista (avaliação neurológica e diagnóstico diferencial);
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Fonoaudiólogo (no caso de apraxia de fala);
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Terapeuta Ocupacional (avaliação da coordenação motora fina e global);
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Psicopedagogo (apoio às dificuldades escolares).
Instrumentos como o MABC-2 (Movement Assessment Battery for Children) e o DCDQ (Developmental Coordination Disorder Questionnaire) são utilizados para avaliação da dispraxia.
Estratégias de Intervenção
Apesar de não haver cura, existem diversas formas de intervenção que podem melhorar a qualidade de vida e promover mais autonomia para a pessoa autista com disfunção motora:
1. Terapia Ocupacional (TO)
Foca no desenvolvimento das habilidades motoras finas e grossas, além da adaptação de tarefas para promover independência funcional.
2. Fonoaudiologia
Importante especialmente nos casos de apraxia de fala, trabalhando a coordenação dos músculos orais para melhorar a comunicação verbal.
3. Fisioterapia
Auxilia na melhora da coordenação global, postura, equilíbrio e marcha.
4. CAA – Comunicação Aumentativa e Alternativa
Para autistas com apraxia de fala severa, a CAA pode ser uma importante ferramenta de comunicação, utilizando figuras, dispositivos eletrônicos ou gestos.
5. Adaptações escolares
Incluem uso de recursos como prendedores anatômicos para lápis, tempo estendido para provas, escrita digital e atividades práticas adaptadas.
Como Apoiar no Dia a Dia
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Valorize o esforço, não apenas o resultado;
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Dê instruções em etapas curtas e claras;
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Evite críticas ao desempenho motor;
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Inclua a pessoa em atividades motoras com apoio e segurança;
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Aposte em atividades prazerosas, como danças, jogos e artes.
Conclusão
A disfunção motora no autismo, incluindo a apraxia e a dispraxia, é uma comorbidade frequente e com grande impacto na vida da pessoa autista. Reconhecer os sinais e buscar apoio especializado são passos fundamentais para garantir desenvolvimento, bem-estar e autonomia. Famílias, profissionais e educadores precisam estar atentos e preparados para oferecer suporte com respeito, paciência e conhecimento técnico.
Referências Bibliográficas
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Fournier, K. A., Hass, C. J., Naik, S. K., Lodha, N., & Cauraugh, J. H. (2010). Motor Coordination in Autism Spectrum Disorders: A Synthesis and Meta-Analysis. Journal of Autism and Developmental Disorders.
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American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). Childhood Apraxia of Speech.
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Blank, R. et al. (2019). European Academy for Childhood Disability (EACD) recommendations on the definition, diagnosis and intervention of developmental coordination disorder (DCD).
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Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (APA, 2013).
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Goulardins, J. B. et al. (2015). Motor impairments in children with attention deficit hyperactivity disorder: implications for intervention. Revista Brasileira de Psiquiatria.
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Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF).
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Cypowyj, V. (2020). Disfunções Motoras no Transtorno do Espectro Autista. Instituto NeuroSaber.