O autismo não se manifesta da mesma forma em todos. Meninos e meninas no espectro podem apresentar diferenças significativas em seus comportamentos, comorbidades, formas de socialização e até no diagnóstico. Neste post, explicamos as principais diferenças entre o autismo em meninas e meninos, destacando a importância de uma abordagem sensível ao gênero.
Por muito tempo, acreditou-se que o autismo afetava muito mais meninos do que meninas. Ainda hoje, a proporção média de diagnósticos é de 3 a 4 meninos para cada menina. No entanto, pesquisas recentes mostram que essa diferença pode estar mais ligada à forma como o autismo se manifesta — e é reconhecido — do que a uma real diferença de prevalência【1】.
Enquanto os sinais mais evidentes costumam ser detectados em meninos desde cedo, as meninas tendem a apresentar características mais sutis, socialmente aceitas ou camufladas, o que dificulta o diagnóstico precoce e o acesso ao suporte adequado.
Neste post, vamos entender as principais diferenças entre o autismo em meninas e meninos, em termos de características, comorbidades, perfil comportamental e abordagem terapêutica.
1. Diferenças comportamentais: o que observar
Em meninos:
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Comportamentos repetitivos e interesses restritos são mais visíveis;
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Dificuldade evidente nas interações sociais desde cedo;
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Linguagem pode apresentar atraso mais acentuado;
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Brincadeiras mais solitárias ou mecânicas;
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Tendência a explosões emocionais externas (meltdowns visíveis).
Em meninas:
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Maior imitação de comportamentos sociais (copiam colegas para se encaixar);
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Interesse por brincadeiras simbólicas, mas de forma rígida (ex: brincar de boneca com roteiros fixos);
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Boa linguagem verbal, mas dificuldades sutis de comunicação social;
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Comportamentos repetitivos podem ser mais discretos (ex: girar objetos pequenos, escrever repetidamente);
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Crises emocionais internalizadas (choro silencioso, retraimento, shutdown).
Essas diferenças tornam as meninas mais propensas a passar despercebidas pelos profissionais de saúde e educação, especialmente quando têm desempenho escolar adequado ou são vistas como “boazinhas”.
2. Diferenças nas comorbidades associadas
Comorbidades são condições que ocorrem junto ao autismo e, em muitos casos, influenciam a forma como o TEA se manifesta.
Em meninos:
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Maior prevalência de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade);
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Mais propensos a transtornos do comportamento opositor e conduta;
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Distúrbios de sono e epilepsia também são mais frequentes.
Em meninas:
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Mais propensas a desenvolver ansiedade, depressão e transtornos alimentares;
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Maior prevalência de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e alexitimia;
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Sujeitas a crises de identidade e autolesão, principalmente na adolescência;
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Alta incidência de burnout autista por anos de camuflagem social.
Essas comorbidades são muitas vezes diagnosticadas sem que o autismo seja reconhecido como a condição de base, levando a tratamentos fragmentados e pouco eficazes.
3. Diferenças na socialização e no uso de masking
A socialização é uma área em que as diferenças de gênero no autismo são muito marcantes:
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Meninos tendem a se isolar abertamente ou interagir de forma atípica;
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Meninas frequentemente forçam interações sociais, mesmo com grande desconforto, por pressão social ou tentativa de se encaixar.
Esse comportamento é chamado de masking (camuflagem social), e é muito mais prevalente entre meninas autistas. Elas aprendem desde cedo a observar, copiar, sorrir e fingir estar bem, o que aumenta o risco de esgotamento emocional, crises de identidade e sofrimento mental silencioso【2】.
4. Diferenças no diagnóstico e na abordagem terapêutica
O diagnóstico de TEA em meninas costuma ser:
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Mais tardio (muitas vezes apenas na vida adulta);
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Mais frequentemente confundido com outros transtornos, como ansiedade social, depressão ou TDAH;
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Menos validado por profissionais que ainda seguem estereótipos masculinos do autismo.
Já na abordagem terapêutica:
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Meninos recebem mais encaminhamentos para terapias comportamentais desde cedo;
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Meninas, por parecerem “funcionais”, recebem menos suporte ou são tratadas como “dramatizadas”;
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Faltam protocolos específicos que considerem as nuances do autismo em meninas, como sensibilidade emocional, dificuldade de impor limites, distorções de autoimagem e comorbidades afetivas.
5. Por que é essencial diferenciar para acolher melhor
Entender que há diferenças entre autismo em meninas e meninos não é uma questão de dividir — mas de aprofundar a escuta e adaptar o cuidado. Sem esse olhar, muitas meninas passam a vida tentando se encaixar, sem saber por que se sentem tão diferentes ou esgotadas.
Quando reconhecemos essas diferenças, conseguimos:
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Promover diagnósticos mais precoces e assertivos em meninas;
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Evitar comorbidades graves associadas ao diagnóstico tardio;
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Criar intervenções mais personalizadas e sensíveis ao perfil de cada criança;
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Fortalecer a autoestima e a autonomia de meninas e mulheres autistas.
Conclusão
O autismo não tem uma única forma de se manifestar — e o gênero influencia sim essa manifestação. Reconhecer as diferenças entre o autismo em meninas e meninos é um passo fundamental para diagnosticar com mais justiça, acolher com mais empatia e intervir com mais eficácia. É hora de ampliar nosso olhar e enxergar além dos estereótipos.
Referências bibliográficas
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Lai, M. C., Lombardo, M. V., Auyeung, B., Chakrabarti, B., & Baron-Cohen, S. (2015). Sex/Gender Differences and Autism: Setting the Scene for Future Research. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 54(1), 11–24.
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Hull, L., Petrides, K. V., Allison, C., Smith, P., Baron-Cohen, S., Lai, M. C., & Mandy, W. (2017). Gender differences in self-reported camouflaging in autistic and non-autistic adults. Autism, 21(6), 819–829.
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Attwood, T. (2007). The Complete Guide to Asperger’s Syndrome. Jessica Kingsley Publishers.
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Bargiela, S., Steward, R., & Mandy, W. (2016). The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions. Journal of Autism and Developmental Disorders, 46(10), 3281–3294.
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Rede Nacional de Cuidados em TEA (2024). Boletim sobre diagnóstico e diferenças de gênero no autismo infantil.