A dieta cetogênica é uma abordagem terapêutica com eficácia comprovada no controle de crises epilépticas, especialmente em casos refratários. Com supervisão médica e nutricional, essa dieta rica em gorduras e pobre em carboidratos pode beneficiar crianças e adultos com autismo que também convivem com epilepsia. Saiba quando ela é indicada e por que funciona.
A dieta cetogênica para epilepsia é uma intervenção nutricional terapêutica usada há mais de 100 anos para o controle de crises convulsivas, especialmente em pessoas que não respondem bem aos medicamentos anticonvulsivantes. Seu uso tem se expandido nos últimos anos, inclusive entre pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que também apresentam epilepsia refratária.
Apesar de ser uma estratégia potente, a dieta cetogênica exige acompanhamento profissional rigoroso e só deve ser iniciada após avaliação médica e nutricional. Neste post, você vai entender quando ela pode ser indicada, como funciona no cérebro, quais seus efeitos e como deve ser conduzida com segurança.
Quando a dieta cetogênica é indicada para epilepsia?
A dieta cetogênica é indicada principalmente para casos de epilepsia de difícil controle (refratária), ou seja, quando o paciente não apresenta melhora significativa mesmo após o uso de dois ou mais anticonvulsivantes adequadamente prescritos.
Segundo diretrizes da International Ketogenic Diet Study Group e da Epilepsy Foundation, as indicações mais comuns incluem:
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Síndrome de Dravet
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Síndrome de Lennox-Gastaut
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Espasmos infantis
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Epilepsia mioclônica severa
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Crises generalizadas ou focais resistentes
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Epilepsia associada ao TEA, especialmente com prejuízos na qualidade de vida e desenvolvimento
A decisão de iniciar a dieta deve ser tomada por um neurologista e implementada com acompanhamento de um nutricionista clínico especializado.
Como funciona a dieta cetogênica?
A dieta cetogênica é rica em gorduras, moderada em proteínas e extremamente pobre em carboidratos. Ao reduzir a ingestão de glicose (principal fonte de energia do cérebro), o corpo entra em um estado metabólico chamado cetose, em que passa a usar as cetonas, derivadas da gordura, como fonte de energia.
As cetonas têm efeitos estabilizadores na atividade elétrica do cérebro. Ainda não se compreende completamente o mecanismo, mas sabe-se que:
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As cetonas reduzem a excitabilidade neuronal
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Há melhora na comunicação entre neurônios
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O ambiente cerebral torna-se menos propenso a gerar crises
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Há possível ação anti-inflamatória e neuroprotetora
Tipos de dietas cetogênicas utilizadas no tratamento da epilepsia
A dieta cetogênica pode ser aplicada em diferentes versões, dependendo do perfil do paciente, idade, nível de suporte necessário e resposta clínica:
1. Dieta Clássica Cetogênica
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Relação de 4:1 ou 3:1 de gordura para proteínas + carboidratos
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Mais restrita, usada principalmente em crianças pequenas
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Exige pesagem precisa dos alimentos
2. Dieta de Atkins Modificada (MAD)
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Mais flexível
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Rica em gorduras, com baixo teor de carboidratos, mas sem a mesma rigidez da dieta clássica
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Indicada para adolescentes e adultos
3. Dieta de Baixo Índice Glicêmico (LGIT)
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Reduz carboidratos, mas foca principalmente na qualidade dos carboidratos, priorizando os de baixo índice glicêmico
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Menos cetogênica, mas com bons resultados em alguns casos
4. Jejum intermitente cetogênico
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Utilizado em contextos específicos, sempre sob monitoramento
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Pode ser introduzido de forma controlada como método de indução à cetose
Como é feita a dieta? Quem deve indicar e acompanhar?
A dieta cetogênica não é uma dieta da moda. Trata-se de um protocolo clínico, que deve ser:
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Prescrito por neurologista ou neuropediatra
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Planejado e supervisionado por nutricionista clínico
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Adaptado ao estilo de vida, fase do desenvolvimento e preferências alimentares da pessoa
O início da dieta pode ser feito em ambiente hospitalar (internação breve) ou ambulatorial, dependendo do protocolo adotado.
É necessário monitoramento frequente de exames laboratoriais, peso, crescimento, níveis de cetose, efeitos colaterais e resposta clínica. Em muitos casos, o uso de suplementos vitamínicos é necessário para prevenir deficiências nutricionais.
Quais são os efeitos colaterais e cuidados?
Embora segura quando bem acompanhada, a dieta cetogênica pode gerar efeitos colaterais, principalmente no início:
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Náusea, vômitos, constipação
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Sonolência ou irritabilidade
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Halitose (mau hálito cetônico)
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Hipoglicemia (queda de açúcar no sangue)
A longo prazo, podem ocorrer:
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Aumento de colesterol e triglicerídeos
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Cálculos renais
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Deficiências de vitaminas e minerais
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Alterações no crescimento em crianças
Por isso, o acompanhamento contínuo é indispensável. Interrupções ou mudanças devem ser feitas com orientação profissional.
Benefícios da dieta cetogênica para epilepsia
Estudos demonstram que até 50% dos pacientes com epilepsia refratária apresentam redução significativa nas crises com a dieta cetogênica. Em alguns casos, as crises desaparecem completamente por longos períodos.
Além do controle das crises, muitos relatam:
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Melhora do sono
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Aumento da atenção e cognição
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Redução do uso de medicamentos
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Melhor qualidade de vida
Para pessoas com autismo e epilepsia, a dieta pode representar uma oportunidade valiosa de estabilização clínica, desenvolvimento funcional e alívio para a família.
Conclusão
A dieta cetogênica para epilepsia é uma ferramenta terapêutica com respaldo científico sólido, especialmente eficaz em casos refratários. Quando bem indicada e acompanhada, pode transformar a realidade de muitas pessoas autistas com epilepsia, oferecendo controle das crises e melhora global na qualidade de vida. No entanto, deve ser encarada com responsabilidade e sempre conduzida por uma equipe especializada.
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