Disfunção executiva em crianças autistas: sinais e como ajudar em casa e na escola

A disfunção executiva em crianças autistas afeta a organização, o controle de impulsos e a adaptação às mudanças. Entenda os sinais mais comuns no dia a dia e descubra estratégias eficazes para apoiar a criança na escola e em casa.

Crianças autistas podem apresentar dificuldades específicas que vão além das áreas sociais e de comunicação, como a disfunção executiva. Essa condição afeta habilidades como planejamento, organização, controle emocional e flexibilidade mental. Reconhecer os sinais da disfunção executiva em crianças autistas é fundamental para oferecer o suporte necessário tanto em casa quanto na escola, evitando interpretações equivocadas sobre o comportamento da criança e promovendo mais autonomia e bem-estar.

O que é disfunção executiva?

As funções executivas são habilidades cognitivas gerenciadas pelo córtex pré-frontal, que ajudam a controlar pensamentos, emoções e ações. São elas que nos permitem:

  • Organizar materiais e ideias

  • Iniciar e concluir tarefas

  • Lidar com mudanças

  • Controlar impulsos

  • Lembrar de instruções

Quando essas habilidades estão comprometidas — como acontece com frequência em crianças autistas — falamos em disfunção executiva.

Por que a disfunção executiva é comum no autismo infantil?

Estudos mostram que há uma ligação direta entre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e dificuldades nas funções executivas. Segundo Kenworthy et al. (2008), crianças autistas costumam apresentar alterações funcionais em áreas do cérebro responsáveis pelo autocontrole e organização, o que se reflete diretamente no comportamento cotidiano.

Embora não seja um critério diagnóstico do TEA no DSM-5, a disfunção executiva é considerada uma comorbidade comum ou um traço associado ao desenvolvimento neurológico atípico.

Sinais de disfunção executiva em crianças autistas

Esses sinais podem variar de intensidade e forma, mas alguns padrões são comuns:

Dificuldade com transições

  • Resistência a parar uma atividade para iniciar outra

  • Crises ao sair de casa, mudar de sala ou começar uma nova tarefa

Organização de brinquedos e materiais

  • Desorganização extrema no uso de brinquedos

  • Dificuldade em guardar ou encontrar objetos

  • Falta de sequência lógica nas brincadeiras

Seguir instruções

  • Dificuldade para lembrar ou completar tarefas em etapas

  • Precisa de instruções divididas em passos simples e visuais

  • Perde o foco facilmente durante instruções verbais longas

Controle de impulsos

  • Comportamento impulsivo, como gritar, levantar-se ou interromper a aula

  • Frustração intensa diante de regras ou esperas

  • Explosões emocionais diante de pequenas mudanças

Como esses sinais aparecem na escola?

Na sala de aula, a disfunção executiva pode ser confundida com “desobediência” ou “desatenção”. A criança pode:

  • Esquecer com frequência o que deve fazer

  • Não conseguir se organizar para terminar atividades

  • Demorar muito para iniciar uma tarefa simples

  • Ficar desregulada emocionalmente com trocas de rotina ou mudanças de ambiente

  • Interromper a professora ou colegas sem perceber

Essas reações não são intencionais. Elas são resultado direto de um cérebro que tem dificuldade para coordenar ações e pensamentos ao mesmo tempo.

Como aparece em casa?

No ambiente familiar, os sinais incluem:

  • Dificuldade em se preparar para sair de casa (vestir-se, organizar mochila etc.)

  • Esquecimento constante de tarefas simples (como escovar os dentes ou guardar brinquedos)

  • Crises frequentes ao ser interrompida durante uma atividade favorita

  • Resistência ao horário de dormir ou tomar banho

  • Desorganização extrema no quarto ou nos materiais escolares

Como lidar com a disfunção executiva em crianças autistas?

O suporte deve ser contínuo, empático e estruturado. Aqui estão algumas estratégias baseadas em evidências:

Em casa:

  • Use rotinas visuais (imagens ou pictogramas) para orientar o dia a dia

  • Divida tarefas em passos curtos e objetivos

  • antecedência antes de mudanças de ambiente ou atividade

  • Estabeleça sequências fixas e repetitivas para tarefas rotineiras

  • Use relógios visuais ou timers para delimitar tempo de brincadeiras e atividades

  • Reforce positivamente o esforço, mesmo que a tarefa não tenha sido finalizada

Na escola:

  • Planeje atividades com início, meio e fim bem definidos

  • Evite sobrecarregar a criança com várias instruções de uma vez

  • Dê apoio visual às tarefas (checklists, quadros de rotina, modelos)

  • Ofereça tempo extra para organização e transição entre atividades

  • Tenha um espaço tranquilo onde a criança possa se regular, se necessário

  • Trabalhe junto à família e equipe multidisciplinar para manter a coerência no suporte

Por que isso importa?

Crianças autistas com disfunção executiva frequentemente são vistas como “desorganizadas”, “preguiçosas” ou “teimosas”, o que afeta sua autoestima e pode gerar traumas. Ao entender que essas dificuldades são neurológicas e não comportamentais, conseguimos promover intervenções mais justas, respeitosas e eficazes.

Conclusão

A disfunção executiva em crianças autistas é uma das causas mais comuns das dificuldades com organização, impulsividade e transições. Compreender esses sinais e aplicar estratégias adequadas pode transformar o dia a dia da criança — e também o ambiente à sua volta. O apoio familiar e escolar, quando baseado em empatia e conhecimento, faz toda a diferença.

Referências bibliográficas

  • American Psychiatric Association. (2014). DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Artmed.

  • Kenworthy, L., Yerys, B. E., Anthony, L. G., & Wallace, G. L. (2008). Understanding executive control in autism spectrum disorders in the lab and in the real world. Neuropsychology Review, 18(4), 320–338.

  • Barkley, R. A. (2012). Executive Functions: What They Are, How They Work, and Why They Evolved. Guilford Press.

  • Attwood, T. (2007). O guia completo sobre a Síndrome de Asperger. Artmed.

  • Pellicano, E. (2012). The development of executive function in autism. Developmental Psychology, 48(1), 1–12.

  • Silva, L. M. T., & Schmidt, A. (2020). Intervenções escolares para crianças com TEA. Revista Brasileira de Educação Especial, 26(2), 159-174.

  • Centro de Referência em Neuropsicologia do Desenvolvimento – USP

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