Estereotipias do TEA x Compulsões do TOC: Semelhanças e Diferenças

Jacqueline Macou

Embora pareçam semelhantes à primeira vista, estereotipias no autismo e compulsões no TOC têm origens, funções e impactos diferentes. Entender essa distinção é essencial para um diagnóstico correto e intervenções adequadas. Neste post, explicamos como diferenciar esses comportamentos com base em evidências científicas.

É comum que comportamentos repetitivos levantem dúvidas entre profissionais, famílias e até mesmo entre autistas adultos. Afinal, como diferenciar uma estereotipia típica do Transtorno do Espectro Autista (TEA) de uma compulsão característica do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)? Apesar de parecerem similares, esses comportamentos repetitivos têm naturezas distintas, funções diferentes e exigem abordagens terapêuticas específicas.

A confusão entre os dois pode atrasar o diagnóstico de uma comorbidade importante como o TOC ou, ao contrário, levar a interpretações equivocadas sobre os sinais do autismo. Neste artigo, vamos esclarecer as semelhanças e diferenças entre estereotipias do TEA e compulsões do TOC, com base em literatura científica atualizada e diretrizes clínicas reconhecidas.

O que são estereotipias no autismo?

Estereotipias são comportamentos motores, verbais ou sensoriais repetitivos e aparentemente sem função social imediata. No contexto do TEA, elas fazem parte dos critérios diagnósticos segundo o DSM-5 (2013) e podem incluir:

  • Balançar o corpo;

  • Agitar as mãos (flapping);

  • Girar objetos;

  • Fazer sons repetitivos ou ecolalias;

  • Focar intensamente em partes de objetos.

Esses comportamentos frequentemente têm função de autorregulação sensorial, expressão emocional ou organização interna, ajudando a pessoa autista a lidar com estímulos do ambiente ou com estados emocionais (como excitação, ansiedade ou frustração).

Segundo Leekam et al. (2011), estereotipias podem ser reforçadas internamente, ou seja, geram prazer, conforto ou sensação de controle, sem necessariamente responder a uma exigência externa.

O que são compulsões no TOC?

As compulsões no Transtorno Obsessivo-Compulsivo são atos repetitivos (físicos ou mentais) realizados em resposta a uma obsessão ou segundo regras rígidas. Têm como objetivo aliviar a ansiedade causada por pensamentos obsessivos ou evitar eventos temidos (mesmo que irracionais). Exemplos comuns incluem:

  • Lavar as mãos excessivamente;

  • Contar objetos ou passos;

  • Checar portas, janelas ou fogões;

  • Repetir palavras internamente;

  • Evitar simetrias “imperfeitas”.

Diferente das estereotipias, compulsões geralmente não são prazerosas. São realizadas sob pressão interna, com alto grau de sofrimento e, muitas vezes, acompanhadas da percepção de que são excessivas ou irracionais (quando há insight).

Principais semelhanças entre estereotipias e compulsões

  • São comportamentos repetitivos.

  • Podem ser observados externamente, como movimentos ou rituais motores.

  • Podem aumentar em situações de estresse, ansiedade ou estímulo sensorial intenso.

  • Podem causar dificuldades sociais se forem incompreendidos ou não manejados adequadamente.

Essas semelhanças superficiais contribuem para a confusão diagnóstica, especialmente em pessoas autistas com nível 1 de suporte ou adultos recentemente diagnosticados.

Diferenças fundamentais

Característica

Estereotipias do TEA

Compulsões do TOC

Função

Autorregulação sensorial ou emocional

Alívio de ansiedade provocada por obsessões

Emoção associada

Prazer, conforto, relaxamento

Angústia, medo, urgência

Origem

Interna e sensorial

Cognitiva e ligada a obsessões

Flexibilidade

Frequentemente espontâneas, mesmo em ambientes seguros

Regras rígidas, ligadas a rituais mentais ou medos específicos

Percepção do comportamento

Pode não haver incômodo pessoal

Muitas vezes causa sofrimento e vontade de parar

Resposta à interrupção

Pode gerar frustração ou incômodo

Pode causar pânico, culpa ou sensação de que algo ruim vai acontecer

Diagnóstico diferencial e sobreposição

Para profissionais de saúde, diferenciar esses comportamentos é essencial, principalmente quando o TOC é uma comorbidade no autismo. Um estudo de Zandt et al. (2007) destacou que, embora tanto o TEA quanto o TOC compartilhem comportamentos repetitivos, a função e a complexidade dos rituais no TOC os tornam qualitativamente diferentes.

Russell et al. (2005) observaram que pessoas autistas com TOC tendem a apresentar compulsões mais complexas e angustiantes do que aquelas sem TOC, reforçando a importância da avaliação multidisciplinar.

Além disso, há casos em que a pessoa apresenta ambos os tipos de comportamentos simultaneamente — estereotipias ligadas à autorregulação sensorial e compulsões associadas a obsessões. Nestes casos, a avaliação deve considerar o histórico, a função do comportamento, o grau de sofrimento e a interferência na rotina.

Por que essa diferenciação é importante?

Compreender se um comportamento repetitivo é uma estereotipia ou uma compulsão tem impacto direto na abordagem terapêutica:

  • Estereotipias do TEA geralmente não precisam ser eliminadas, mas sim compreendidas e, se necessário, redirecionadas para contextos apropriados.

  • Compulsões do TOC podem se tornar debilitantes e precisam de intervenção específica, como Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com foco em prevenção de resposta, e em alguns casos, uso de medicação (como inibidores seletivos de recaptação de serotonina).

Errar nesse diagnóstico pode levar à supressão inadequada de estereotipias que não causam sofrimento, ou à negligência de compulsões que estão prejudicando profundamente a qualidade de vida do indivíduo.

Conclusão

Embora estereotipias do TEA e compulsões do TOC possam parecer semelhantes à primeira vista, elas são comportamentos com origens, funções e significados muito diferentes. O olhar atento de profissionais capacitados, aliado ao conhecimento das famílias e autistas sobre si mesmos, é fundamental para distinguir essas manifestações e promover o cuidado adequado.

Reconhecer essa diferença pode ser o primeiro passo para intervenções mais eficazes, respeitosas e individualizadas.

Referências bibliográficas

  1. American Psychiatric Association. (2013). DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed.).

  2. Leekam, S. R., Prior, M. R., & Uljarevic, M. (2011). Restricted and repetitive behaviors in autism spectrum disorders: A review of research in the last decade. Psychological Bulletin, 137(4), 562–593.

  3. Zandt, F., Prior, M., & Kyrios, M. (2007). Repetitive behaviour in children with high functioning autism and obsessive compulsive disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37(2), 251–259.

  4. Russell, A. J., Mataix-Cols, D., Anson, M., & Murphy, D. G. (2005). Obsessions and compulsions in Asperger syndrome and high-functioning autism. The British Journal of Psychiatry, 186(6), 525–528.

  5. Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). (2021). Diretrizes Clínicas para o TOC. Disponível em: https://www.abp.org.br/

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