Muitos autistas, principalmente no nível 1 de suporte, apresentam o que se chama de monólogo ou fala egocêntrica: falam longamente sobre um tema de interesse sem perceber os sinais sociais do interlocutor. Este post explica por que isso acontece, os impactos nas interações sociais e como desenvolver habilidades de diálogo e escuta ativa.
Conversar é uma via de mão dupla. Envolve falar, escutar, interpretar gestos, pausas e até expressões faciais. Para muitas pessoas autistas, esse processo pode ser desafiador. Um comportamento bastante comum — e muitas vezes mal interpretado — é o monólogo ou fala egocêntrica.
Em vez de alternar turnos de fala, a pessoa autista pode manter um discurso contínuo sobre um tema específico, sem notar se o outro está interessado, confuso ou desconfortável. Embora pareça falta de empatia ou educação, esse comportamento está ligado às particularidades cognitivas e sensoriais do autismo, e pode ser trabalhado com estratégias adequadas.
Por que a fala egocêntrica acontece no autismo?
Vários fatores contribuem para esse padrão de comunicação:
1. Dificuldade com pistas sociais sutis
Muitos autistas não percebem sinais não verbais de desinteresse, como desviar o olhar, bocejar, cruzar os braços ou mudar de assunto.
2. Interesses restritos e intensos
Assuntos de interesse profundo geram hiperfoco. Falar sobre eles pode ser uma forma de autorregulação, prazer e até tentativa de conexão, ainda que unilateral.
3. Déficits em teoria da mente
Teoria da mente é a habilidade de entender que outras pessoas têm pensamentos, emoções e conhecimentos diferentes dos seus. No autismo, isso pode estar prejudicado, dificultando o ajuste da fala ao contexto do outro.
4. Ansiedade social
A preocupação em manter o controle da interação pode levar a fala contínua, como forma de evitar pausas desconfortáveis ou incertezas.
5. Dificuldade em perceber pausas naturais na fala
Muitas pessoas autistas têm dificuldade em identificar o momento ideal de encerrar uma frase ou ceder a palavra, o que contribui para a fala prolongada.
Quais são os impactos do monólogo nas interações sociais?
•Afastamento de colegas, amigos ou familiares.
•Dificuldade para manter amizades.
•Sensação de isolamento e frustração, especialmente quando há esforço para se conectar.
•Interpretação equivocada de arrogância ou falta de empatia.
Por isso, desenvolver habilidades de diálogo é essencial para promover bem-estar, inclusão social e autoestima.
Como ensinar habilidades de conversa e escuta ativa?
A boa notícia é que essas habilidades podem ser aprendidas, com apoio e treino estruturado. Veja algumas estratégias eficazes:
1. Ensinar o “turno de fala” explicitamente
Explicar que conversas são como um “jogo de pingue-pongue”: você fala, depois escuta. Pode-se usar sinais visuais ou palavras-chave para ajudar.
2. Usar histórias sociais e vídeos modeladores
Mostrar situações de conversas equilibradas ajuda a criança ou adulto a reconhecer comportamentos apropriados e inadequados.
3. Treinar perguntas e respostas
Ensinar a fazer perguntas abertas (“O que você acha disso?”) e reagir a respostas do outro. Pode-se ensaiar esse tipo de interação em casa ou na terapia.
4. Trabalhar leitura de expressões faciais e linguagem corporal
Mostrar imagens ou vídeos com diferentes expressões de desinteresse, dúvida ou entusiasmo. Treinar a interpretar esses sinais.
5. Criar um “mapa de conversa”
Dividir os tópicos em tempo estimado (por exemplo: falar sobre seu tema favorito por 3 minutos, depois mudar o assunto ou perguntar algo ao outro).
6. Utilizar cronômetros ou cartões de pausa em grupo
Principalmente em grupos sociais terapêuticos, ajuda a regular o tempo de fala e promove mais participação entre os membros.
7. Reforçar positivamente a escuta ativa
Elogiar quando a pessoa pergunta algo ao outro, demonstra interesse ou espera sua vez para falar.
8. Ensinar sobre reciprocidade emocional
Mostrar como uma conversa envolve não apenas troca de palavras, mas também apoio emocional e validação do outro.
9. Criar espaços seguros para ensaiar habilidades sociais
Ambientes com regras claras e apoio terapêutico ajudam a pessoa autista a experimentar sem medo de julgamento.
10. Evitar punições ou constrangimentos
Corrigir com gentileza. Evite frases como “Você está falando demais” e prefira: “Legal! Agora vamos ouvir o que o outro tem a dizer?”.
Conclusão
O monólogo ou fala egocêntrica não é sinal de desinteresse pelo outro — muitas vezes, é exatamente o oposto: é a forma mais autêntica de se conectar, mesmo que mal interpretada. Com empatia, estratégias adequadas e espaço para praticar, pessoas autistas podem desenvolver habilidades sociais sem abrir mão da sua identidade.
A fala é uma ferramenta poderosa, mas o verdadeiro diálogo se constrói quando há espaço para escutar e ser escutado.
Referências bibliográficas:
•Attwood, T. The Complete Guide to Asperger’s Syndrome.
•Gray, C. Social Stories and Comic Strip Conversations.
•American Psychiatric Association. DSM-5 (2022).
•Goleman, D. Inteligência Emocional.
•Mundy, P., Sigman, M. The Development of Joint Attention in Children with Autism.
•National Autistic Society. Social Skills and Autism.