Por que Pessoas Autistas Têm Dificuldade em Fazer e Manter Amizades?

A amizade no autismo é marcada por desafios que vão além da timidez ou da falta de interesse. Dificuldades na comunicação social, interpretação de sinais não verbais e experiências de rejeição influenciam diretamente a formação de vínculos. Entenda os motivos e como apoiar pessoas autistas na construção de relações significativas.

A amizade no autismo é um tema frequentemente cercado de mal-entendidos. Muitas vezes, acredita-se que pessoas autistas são indiferentes às relações sociais ou que preferem ficar sozinhas. No entanto, a realidade é bem diferente: muitos autistas desejam conexão, mas enfrentam barreiras cognitivas, sensoriais e sociais que tornam esse processo mais complexo. Desde a infância até a vida adulta, essas dificuldades podem impactar profundamente o bem-estar emocional e a qualidade de vida.

A amizade importa para todos — inclusive para autistas

Estudos indicam que amizades verdadeiras são importantes para a saúde mental de pessoas autistas, ajudando na redução da ansiedade, da solidão e na promoção da autoestima. Segundo a pesquisadora Connie Kasari (UCLA), crianças autistas que têm ao menos uma amizade significativa demonstram menos sintomas depressivos e maior engajamento social.

Contudo, o caminho até essas amizades pode ser repleto de obstáculos — não pela falta de vontade, mas por diferenças reais de percepção e comunicação.

Desafios comuns enfrentados por autistas nas amizades

1. Dificuldades de comunicação social

A maioria dos autistas apresenta diferenças na forma como se comunica e interage socialmente. Isso pode incluir:

  • Fala mais literal ou direta, o que pode ser interpretado como rudeza;

  • Dificuldade para iniciar ou manter conversas triviais (“small talk”);

  • Falta de reciprocidade social esperada em interações típicas.

Essas características muitas vezes geram mal-entendidos e afastamento por parte dos neurotípicos.

2. Interpretação de sinais não verbais

Expressões faciais, tom de voz, gestos e até silêncios são elementos importantes da comunicação social. Pessoas autistas podem ter dificuldade para interpretar esses sinais, o que pode causar:

  • Respostas consideradas “fora de contexto”;

  • Incômodos em ambientes com muita linguagem implícita;

  • Problemas para identificar ironia, sarcasmo ou duplo sentido.

3. Interesses intensos e hiperfoco

O autismo pode estar associado a interesses restritos ou muito intensos, que dominam as conversas ou os pensamentos da pessoa. Isso pode:

  • Tornar a conversa unilateral;

  • Dificultar a conexão com pares que não compartilham do mesmo interesse;

  • Ser visto como “obsessivo”, afastando possíveis amigos.

4. Experiências de rejeição ou bullying

Desde cedo, muitos autistas vivenciam exclusão social ou bullying por serem “diferentes”. Isso pode gerar:

  • Medo de se aproximar de outras pessoas;

  • Baixa autoestima;

  • Comportamentos de evitação social como forma de proteção.

5. Necessidade de previsibilidade

Interações sociais envolvem imprevisibilidade, algo que pode ser desconfortável para pessoas autistas. Elas podem preferir rotinas, ambientes controlados e saber com antecedência o que esperar, o que torna amizades espontâneas mais desafiadoras.

6. Dificuldade com regras sociais implícitas

Padrões sociais como “dar espaço”, “saber a hora de ir embora” ou “não interromper” nem sempre são intuitivos para pessoas autistas. Sem apoio ou explicações claras, esses comportamentos podem gerar julgamentos e afastamento.

Adultos autistas também enfrentam barreiras

Ao contrário do que se imagina, as dificuldades em manter amizades não desaparecem com a idade. Autistas adultos frequentemente relatam:

  • Solidão persistente;

  • Dificuldade de se encaixar em ambientes sociais;

  • Amizades marcadas por desbalanceamento (onde o autista é sempre o que “precisa de ajuda” e não o que também “oferece ajuda”).

Muitos preferem manter poucos vínculos, mas profundos e sinceros, ao invés de uma rede ampla de contatos superficiais.

Estratégias para apoiar a construção de amizades no autismo

1. Ensino explícito de habilidades sociais

Terapias como o Treinamento de Habilidades Sociais (THS) ensinam, de forma prática, como iniciar, manter e encerrar interações, interpretar sinais sociais e lidar com conflitos. Esse tipo de abordagem é mais eficaz quando respeita o jeito autista de ser.

2. Ambientes seguros e inclusivos

Clubes, grupos de interesse ou eventos voltados a autistas promovem interações mais naturais e respeitosas. Escolas e espaços comunitários também podem estimular vínculos com mediação adequada.

3. Uso de roteiros sociais e recursos visuais

Roteiros ajudam a pessoa a antecipar e compreender o que acontece em uma amizade (como convidar alguém, dizer não, lidar com frustrações). São úteis especialmente para crianças e adolescentes.

4. Valorização da autenticidade

É importante que as amizades sejam construídas com base no respeito mútuo. Forçar um autista a se adaptar a padrões neurotípicos o tempo todo pode gerar exaustão. A amizade precisa ser um espaço de aceitação, não de performance.

5. Apoio psicoterapêutico

Profissionais da psicologia com experiência em TEA podem ajudar na construção da autoestima, no desenvolvimento da empatia e no enfrentamento de traumas sociais passados.

Conclusão

A dificuldade em iniciar e manter amizades não significa falta de interesse ou de empatia por parte de pessoas autistas. Trata-se de uma questão multifatorial, que exige acolhimento, apoio e ambientes sociais mais inclusivos. Quando respeitamos o jeito único de cada um se conectar, abrimos caminho para relações mais autênticas, duradouras e significativas.

Referências Bibliográficas

  • Kasari, C., Locke, J., Gulsrud, A., & Rotheram-Fuller, E. (2011). Social networks and friendships at school: Comparing children with and without ASD. Journal of Autism and Developmental Disorders, 41(5), 533-544.

  • Attwood, T. (2007). O guia completo da síndrome de Asperger. São Paulo: M.Books.

  • American Psychiatric Association. DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Artmed, 2014.

  • Baron-Cohen, S. (2008). A empatia em pessoas com autismo: compreendendo diferenças sociais. The British Journal of Psychiatry.

  • National Autistic Society. Friendships and autism. Disponível em: https://www.autism.org.uk

  • Paula, C. S., et al. (2021). Autismo no Brasil: perspectivas clínicas e educacionais. Revista Brasileira de Psiquiatria.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Talvez você curta: