Victor Meirelles, artista e pesquisador em Psicossociologia da Saúde, apresenta práticas pedagógicas que unem arte, empatia e ação para combater o bullying e promover convivência positiva. Com rodas criativas e teatro participativo, ele mostra como transformar teoria inclusiva em realidade escolar, fortalecendo vínculos e construindo comunidades mais humanas.
Como artista, pesquisador e escritor com estudos de doutorado em Psicossociologia da Saúde, percebo e vivo a escola como um microcosmo da sociedade, um terreno fértil em infâncias a florescer pelas experiências vividas no chão da sala de aula, onde as dinâmicas de poder e as relações interpessoais, feito correnteza, se manifestam de forma intensa. A implementação de práticas inclusivas não é apenas uma diretriz pedagógica, mas uma necessidade premente para a construção de ambientes escolares mais equitativos, equânimes, empáticos e saudáveis. Resultando em frutos futuros de seres mais humanos, cidadãos que convivem melhor com as diferenças, em busca do equilíbrio e do bem viver na diversidade, visando produção de relação positiva. O bullying, em suas diversas formas, desequilibra e corroi a saúde psicossocial de estudantes e da comunidade educacional e compromete o processo ensino-aprendizagem, deixando marcas profundas a tatuar toda uma trajetória social, profissional e intelectual de dor e sofrimento. Nesse contexto, as ações antibullying e de convivência positiva emergem como pilares fundamentais para a promoção do cuidado, do bem-estar, da cidadania ativa e da efetivação das leis: 13.185/2015 Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional e 14.811/2024 Criminalização do Bullying e Cyberbullying.
A arte-educação, vista sob a ótica da Psicossociologia, oferece ferramentas poderosas para abordar essas questões complexas. Ela não se limita à estética ou à técnica, mas a práxis artística, poética socioemocional, educacional, que se configura como um espaço de encontro, expressão, reflexão e transformação na promoção do cuidado. Ao engajar os estudantes em processos criativos, participativos, possibilitamos a construção de novas narrativas sobre si mesmos e sobre o outro, desconstruindo estereótipos e fomentando a alteridade. A seguir, apresento duas práticas pedagógicas que buscam integrar esses saberes, promovendo a teoria inclusiva para a realidade cotidiana da escola.
Práticas Pedagógicas:
1. Roda de Conversa Criativa: Ciranda e Gira da Empatia e Expressão
Descrição da Prática: Esta prática propõe a criação de rodas de conversa semanais, mediadas por um arte-educador e/ou professor, onde os estudantes são convidados a expressar suas emoções, vivências, experiências e percepções sobre situações de bullying e convivência. A cada encontro, um exercício de respiração coletiva, um disparador artístico, uma flecha que gira e movimenta os participantes que, pode ser uma imagem, um vídeo, uma música, um fragmento de texto, um objeto, uma curta performance, ou simplesmente uma palavra ou gesto, apresentado para iniciar a discussão. Por meio da reflexão coletiva, os participantes são incentivados a manifestar suas impressões através de diferentes linguagens artísticas: desenho, colagem, escrita poética, pequenas encenações ou improvisações corporais. O foco não é a “qualidade” da produção artística, mas a “qualidade” do encontro em sala e das trocas vividas individual e coletivamente na aula, a sua função como veículo de expressão e comunicação. As obras produzidas podem ser expostas na sala, criando um painel evolutivo das discussões e sentimentos do grupo.
Do ponto de vista da Psicossociologia, esta prática ressoa com a importância dos espaços de escuta ativa, sem julgamento e da validação emocional. O bullying prospera no silêncio e na invisibilidade. Ao criar um ambiente seguro e expressivo, permitimos que as vozes silenciadas encontrem eco, seus corpos possam transitar em quanto desejo de ser, e que as emoções reprimidas sejam externalizadas de forma construtiva. A arte, nesse contexto, atua como um mediador simbólico ferramenta de produção de experiência, permitindo que questões delicadas sejam abordadas de forma indireta e menos ameaçadoras. O processo criativo individual e a partilha em grupo promovem o desenvolvimento da empatia, à medida que os estudantes se colocam no lugar do outro e compreendem as múltiplas perspectivas de uma mesma situação. A visualização das produções artísticas coletivas reforça o senso de comunidade e o reconhecimento de que não estão sozinhos em suas vivências, fortalecendo a resiliência e a capacidade de intervir positivamente.
2. Teatro na Escola: Em Cena, Palco de Conflitos e Resolução
Descrição da Prática: Inspirada nas metodologias de Augusto Boal, esta prática envolve a criação de oficinas de Teatro do Oprimido, focadas em situações reais ou hipotéticas de bullying vivenciadas pelos estudantes. Um “Fórum” é estabelecido, onde cenas curtas são encenadas pelos próprios alunos, representando situações de opressão ou conflito. Após a encenação, a cena é aberta ao público (“espect-atores”), que pode intervir, paralisando a ação e propondo alternativas para a resolução do conflito, substituindo um personagem ou sugerindo novas falas e ações. O objetivo é explorar coletivamente diferentes estratégias de enfrentamento e ressignificação das relações de poder.
O bullying muitas vezes imobiliza suas vítimas e perpetua a injustiça. Ao encenar e reencenar essas situações, os estudantes não apenas compreendem as dinâmicas de poder envolvidas, mas também desenvolvem agência e repertório de respostas. A prática do “espect-ator” dissolve a barreira entre público e ator, promovendo a participação ativa e a corresponsabilização na construção de soluções. Essa metodologia fomenta o pensamento crítico sobre as causas do bullying e as consequências das ações e omissões. Além disso, a experimentação de diferentes desfechos em um ambiente seguro e controlado capacita os estudantes a aplicar essas estratégias na vida real, fortalecendo a autoestima e a capacidade de intervir em situações de injustiça, promovendo uma cultura de convivência positiva e colaborativa.
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