Comorbidades mais comuns em mulheres autistas: da ansiedade ao TOC

Mulheres autistas costumam apresentar comorbidades que impactam significativamente sua qualidade de vida. Ansiedade, depressão, TDAH e TOC são algumas das condições mais comuns. Neste post, vamos entender quais são as comorbidades mais prevalentes no autismo feminino, por que elas são frequentes e como influenciam o diagnóstico e o bem-estar.

O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição complexa e diversa que afeta a forma como a pessoa percebe o mundo, se comunica e interage socialmente. Mas, para muitas mulheres no espectro, o autismo não caminha sozinho. Estudos mostram que a maioria apresenta uma ou mais comorbidades psiquiátricas ou neurológicas, como ansiedade, depressão ou transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)【1】【2】.

Essas condições associadas são, muitas vezes, a porta de entrada para o diagnóstico de TEA, especialmente quando a manifestação do autismo é sutil ou camuflada. Neste post, vamos explorar as comorbidades mais frequentes no autismo feminino, como afetam o bem-estar e por que merecem atenção cuidadosa e integrada.

1. O que são comorbidades no autismo?

Comorbidade é o termo utilizado para descrever a presença simultânea de duas ou mais condições de saúde. No caso do autismo, isso significa que além das características do TEA, a pessoa também apresenta outros transtornos — neurológicos, psiquiátricos, sensoriais ou físicos.

Em mulheres autistas, as comorbidades costumam ser mais prevalentes e, muitas vezes, mais severas do que em homens no espectro【3】. Isso se deve a uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, como:

  • Diagnóstico tardio do TEA;

  • Histórico de masking e esforço social constante;

  • Estigmas de gênero e falta de acolhimento;

  • Sensibilidade emocional e sensorial exacerbada.

2. Ansiedade: a comorbidade mais comum

A ansiedade generalizada é uma das comorbidades mais frequentes em mulheres autistas. Estudos indicam que mais de 70% das mulheres no espectro relatam sintomas ansiosos significativos【4】.

A ansiedade pode se manifestar como:

  • Medo constante de errar em interações sociais;

  • Preocupações intensas e repetitivas;

  • Crises de pânico em ambientes sensoriais desafiadores;

  • Insônia, irritabilidade e tensão muscular.

É importante lembrar que a ansiedade não é “apenas” uma reação ao ambiente. Em muitas mulheres autistas, ela é crônica e debilitante, exigindo tratamento integrado que envolva psicoterapia, psicoeducação e, em alguns casos, medicação.

3. Depressão: o peso da invisibilidade

A depressão é outra comorbidade comum no autismo feminino, especialmente entre aquelas que passaram anos sem diagnóstico ou apoio adequado. O esforço contínuo para mascarar o autismo, somado a experiências de exclusão social, rejeição ou abuso, aumenta o risco de episódios depressivos.

Sinais comuns incluem:

  • Perda de interesse em atividades;

  • Fadiga extrema;

  • Sentimentos de inutilidade ou desesperança;

  • Pensamentos suicidas.

A depressão muitas vezes precede o diagnóstico de autismo em mulheres, sendo inicialmente tratada como um transtorno primário. Por isso, é fundamental que profissionais da saúde mental considerem a possibilidade de TEA ao avaliar mulheres com depressão recorrente e padrão de funcionamento atípico.

4. Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)

O TOC é frequentemente confundido com comportamentos do autismo, como rigidez de rotina ou interesses restritos. No entanto, no TOC, as obsessões são invasivas, angustiantes e egodistônicas (ou seja, a pessoa não as reconhece como naturais). Já no autismo, os interesses intensos e a busca por previsibilidade geralmente são fonte de conforto.

Ainda assim, muitas mulheres autistas convivem com ambos os quadros, o que exige um olhar clínico cuidadoso para diferenciar as características de cada um.

Exemplos de TOC em mulheres autistas:

  • Compulsões de limpeza ou checagem;

  • Pensamentos intrusivos com conteúdo violento, sexual ou religioso;

  • Rituais para “neutralizar” pensamentos angustiantes.

O TOC pode aumentar o sofrimento emocional e comprometer significativamente o funcionamento diário, exigindo acompanhamento multidisciplinar.

5. TDAH: hiperatividade interna e desatenção invisível

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é altamente comórbido com o autismo, e em mulheres, muitas vezes assume uma forma mais interna e silenciosa. Enquanto meninos com TDAH podem ser agitados e impulsivos, meninas tendem a:

  • Sonhar acordado com frequência;

  • Esquecer compromissos ou tarefas;

  • Ter dificuldade de concentração;

  • Lutar com organização e planejamento.

Muitas mulheres só descobrem que têm TDAH após o diagnóstico de autismo, ou vice-versa. O tratamento combinado para os dois quadros pode melhorar significativamente a qualidade de vida.

6. Transtornos alimentares e dificuldades sensoriais

Mulheres autistas apresentam maior risco de desenvolver transtornos alimentares, como:

  • Anorexia nervosa;

  • Bulimia;

  • Transtorno da alimentação seletiva.

Essas condições podem estar associadas a rigidez comportamental, aversões sensoriais (a texturas, odores, temperaturas) e necessidade de controle. O tratamento deve considerar o perfil sensorial e cognitivo da mulher autista, evitando abordagens punitivas ou padrão neurotípico.

7. Outros quadros associados

Além dos já citados, outras comorbidades comuns incluem:

  • Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), frequentemente relacionado a bullying, abuso ou exclusão;

  • Disfunções do sono;

  • Transtornos do processamento sensorial;

  • Disautonomia e síndromes como Ehlers-Danlos;

  • Problemas gastrointestinais e imunológicos.

Essas condições podem passar despercebidas ou ser atribuídas erroneamente ao “perfil emocional” da paciente, o que reforça a necessidade de profissionais capacitados e atentos ao autismo em mulheres.

Conclusão

As comorbidades no autismo feminino são mais do que estatísticas: são parte da experiência real de milhares de mulheres que convivem diariamente com múltiplos desafios — visíveis ou não. Reconhecer essas condições associadas, diferenciá-las dos traços autistas e tratá-las de forma integrada é essencial para promover bem-estar, autonomia e saúde mental a longo prazo.

Referências bibliográficas

  1. Lai, M.-C., Lombardo, M. V., & Baron-Cohen, S. (2014). Autism. The Lancet, 383(9920), 896–910.

  2. Lever, A. G., & Geurts, H. M. (2016). Psychiatric Co-occurring Symptoms and Disorders in Young, Middle-Aged, and Older Adults with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 46(6), 1916–1930.

  3. Hull, L., Petrides, K. V., Allison, C., Smith, P., Baron-Cohen, S., Lai, M. C., & Mandy, W. (2017). Gender differences in self-reported camouflaging in autistic and non-autistic adults. Autism, 21(6), 819–829.

  4. Greenlee, J. L., Mosley, A. S., Shui, A., Veenstra-VanderWeele, J., & Gotham, K. O. (2022). Women with Autism Spectrum Disorder: Perceptions of Their Diagnosis and Suggestions for Improvement. Research in Autism Spectrum Disorders, 85, 101833.

  5. Attwood, T. (2007). The Complete Guide to Asperger’s Syndrome. Jessica Kingsley Publishers.

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