Adolescentes autistas com disfunção executiva enfrentam desafios com organização, estudos, emoções e autonomia. Entenda os principais sinais dessa dificuldade e descubra estratégias eficazes para apoiar o desenvolvimento na escola, em casa e na vida social.
A adolescência já é, por si só, uma fase marcada por transformações intensas. Para os jovens autistas, esse período pode ser ainda mais desafiador quando há sinais de disfunção executiva. Essa condição, que impacta habilidades como planejamento, organização e controle emocional, afeta diretamente o desempenho escolar, a autonomia, as relações sociais e a saúde mental. Compreender a disfunção executiva em adolescentes autistas é fundamental para garantir apoio adequado e evitar interpretações equivocadas sobre o comportamento desses jovens.
O que é disfunção executiva?
As funções executivas são um conjunto de habilidades cognitivas responsáveis por coordenar pensamentos, comportamentos e emoções para a realização de metas. São gerenciadas pelo córtex pré-frontal, que continua em desenvolvimento até o início da vida adulta.
Essas funções incluem:
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Planejamento e organização
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Início e conclusão de tarefas
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Controle de impulsos
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Flexibilidade cognitiva
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Memória de trabalho
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Regulação emocional
Quando há dificuldades consistentes nessas áreas, falamos em disfunção executiva — uma condição muito comum entre pessoas no espectro autista, segundo pesquisas como as de Kenworthy et al. (2008) e Hill (2004).
Por que é comum em adolescentes autistas?
O cérebro autista apresenta diferenças no funcionamento de áreas relacionadas à integração sensorial, regulação emocional e controle inibitório. Na adolescência, com o aumento das demandas sociais, escolares e de autonomia, os déficits executivos ficam mais evidentes, como aponta o estudo de Rosenthal et al. (2013), publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders.
Sinais de disfunção executiva em adolescentes autistas
Os sinais podem variar, mas geralmente incluem:
Dificuldade em planejar e organizar tarefas
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Esquecimento frequente de datas de provas, trabalhos ou atividades
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Incapacidade de dividir grandes tarefas em etapas menores
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Dificuldade para começar ou terminar atividades escolares
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Atrasos frequentes e má gestão do tempo
Problemas de memória de trabalho
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Esquecer instruções logo após ouvi-las
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Dificuldade em acompanhar várias etapas de um processo
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Sentir-se sobrecarregado com conteúdos extensos
Dificuldade nas interações sociais
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Interromper conversas sem perceber
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Dificuldade para “ler o ambiente” e ajustar o comportamento
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Baixa flexibilidade cognitiva para lidar com frustrações ou mudanças em planos
Regulação emocional comprometida
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Explosões emocionais em situações de estresse
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Sensação de “pane” ao lidar com sobrecarga de tarefas
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Meltdowns ou shutdowns diante de mudanças inesperadas
Impacto na autonomia
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Dificuldade em manter uma rotina organizada sem ajuda
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Problemas para cuidar de si mesmo (higiene, horários, compromissos)
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Baixa motivação para iniciar tarefas mesmo desejando realizá-las
Impactos no dia a dia do adolescente autista
A disfunção executiva pode afetar:
A vida escolar
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Baixo rendimento mesmo com inteligência preservada
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Atrasos na entrega de trabalhos
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Necessidade constante de supervisão ou ajuda para cumprir prazos
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Mal-entendidos com professores e colegas por dificuldades de organização ou impulsividade
As relações sociais
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Dificuldade em manter amizades por falta de “timming social” ou regulação emocional
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Sensação de inadequação ou frustração constante
A saúde mental
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Maior risco de desenvolver ansiedade, depressão e burnout autista
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Baixa autoestima e sentimento de incapacidade
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Culpabilização injusta por dificuldades que são neurológicas, não comportamentais
Como ajudar adolescentes autistas com disfunção executiva?
O suporte deve ser adaptado à realidade do jovem, respeitando sua forma de aprender e processar o mundo. Aqui estão algumas estratégias baseadas em evidências:
Apoio escolar
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Dividir grandes tarefas em etapas menores
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Usar agendas visuais, planners ou aplicativos para organização
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Oferecer tempo extra e instruções por escrito
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Criar um ambiente previsível com estrutura clara
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Implementar planos de ensino individualizado (PEI), se disponível
Apoio familiar
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Criar rotinas estruturadas, mas flexíveis
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Estimular a autonomia com apoio, sem superproteção
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Evitar cobranças vagas como “você precisa se organizar” — e ensinar o como
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Reforçar positivamente os progressos, mesmo que pequenos
Apoio terapêutico
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Terapia ocupacional com foco em funções executivas
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Terapia cognitivo-comportamental (TCC) adaptada para adolescentes autistas
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Treinamento de habilidades sociais com apoio à flexibilidade cognitiva
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Psicopedagogia para estratégias de organização nos estudos
Tecnologias e ferramentas úteis
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Google Keep, Notion, Todoist (listas e lembretes)
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Time Timer (visualização de tempo)
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Focus To-Do (método Pomodoro com gamificação)
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Apps de rotina visual como Routinely ou Brili
Conclusão
A disfunção executiva em adolescentes autistas pode comprometer várias áreas da vida, mas com compreensão, estratégias adequadas e suporte contínuo, esses jovens podem desenvolver mais autonomia e segurança. A empatia e o conhecimento são as ferramentas mais poderosas para transformar desafios em possibilidades. O adolescente autista não precisa se encaixar em um modelo idealizado de organização — ele precisa ser compreendido dentro da sua singularidade.
Referências bibliográficas
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American Psychiatric Association. (2014). DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Artmed.
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Kenworthy, L., Yerys, B. E., Anthony, L. G., & Wallace, G. L. (2008). Executive control in autism. Neuropsychology Review, 18(4), 320–338.
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Hill, E. L. (2004). Executive dysfunction in autism. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 45(5), 840–849.
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Rosenthal, M. et al. (2013). Impairments in real-world executive function increase from childhood to adolescence in autism spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 43(2), 467–473.
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Barkley, R. A. (2012). Executive Functions: What They Are, How They Work, and Why They Evolved. Guilford Press.
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Attwood, T. (2007). O guia completo sobre a Síndrome de Asperger. Artmed.
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Sociedade Brasileira de Pediatria – Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento